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Zero de Conduta

Zero de Conduta

07
Set08

Um estudo demasiado conveniente

Pedro Sales

Gráfico retirado do Blasfémias

Depois de semanas de regular presença televisiva a zurzir nas novas leis penais, que só faltou serem responsabilizadas pela praga do nemátodo da madeira do pinheiro, e eis que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público “saca” de um estudo que, veja-se lá, vem confirmar as suas posições. Ou seja, as recentes alterações legislativas deixaram a sociedade “desprotegida”, existindo uma relação de causa efeito entre a sua aprovação e o aumento da criminalidade violenta, causada pela diminuição da população prisional e dos presos preventivos. Uma imagem de “brandura” que foi entendida pelo mundo do crime, resume o autor do estudo, apontando o dedo para a classe política.


E como é que o sindicato dos magistrados chegou a tão convenientes conclusões, suficiente para que meia imprensa tenha dito que a “reforma penal pode ter aumentado criminalidade”? Da forma mais simplista e atabalhoada que é possível conceber. Comparando a população prisional, e a percentagem da mesma que se encontra detida preventivamente, antes e depois da alteração dos códigos penais. Recorrendo aos números da última década? Não, aos dois últimos dois anos... Assim, e como o total de presos nas cadeias nacionais desceu 16% e as prisões preventivas passaram de 22,7% para 19,07% no último ano, o sindicato encontrou uma justificação “científica” para continuar a bater no seu saco de pancada preferido. Só que, como facilmente se percebe, o rigor deste “estudo” não se aguenta de pé três segundos. Em primeiro lugar fica por explicar como é que, tendo a criminalidade violenta subido 10% em relação a 2007, os seus números ficam ao nível da registada em 2006 ou 2004...muito antes da reforma legislativa. Nem explica, também, como é que países com uma percentagem muito superior de detidos preventivos, como a Itália ou a Turquia, têm indicadores de criminalidade violenta incomparavelmente superiores aos nossos.

 

A tese do sindicato parte de uma premissa que está longe de encontrar eco nos principais estudos. Ao contrário do que defendem os magistrados, que criticam a “brandura” das novas leis, a severidade das penas tem um reduzido efeito dissuasor da criminalidade, sendo mais relevante a ideia de que a pena será cumprida. Ninguém desata a assaltar bancos porque a pena baixou dos 15 para os 12 anos. Se fosse a dureza das penas que dissuadia os criminosos, os EUA teriam uma sociedade muito mais calma do que a nossa. Mas a taxa de homicídios nos EUA é de 5,7 por 100 mil habitantes, contra os 1,3 registados em Portugal no ano passado. O que deveria incomodar os magistrados portugueses não é a diminuição do número de presos preventivos - em si mesmo um indicador positivo -, mas sim a iniquidade de um sistema judicial cuja única resposta para diminuir a criminalidade é manter na cadeia milhares de pessoas que nunca foram julgadas. 


Este “estudo” é apenas mais um instrumento na longa campanha encetada pelos magistrados para forçarem a revisão das leis penais com as quais nunca concordaram. Só que a separação de poderes não quer apenas dizer que o poder politico não se deve imiscuir no natural desenvolvimento dos processos judiciais. É uma estrada com dois sentidos e também quer dizer que compete ao poder legislativo a aprovação das leis e a análise dos efeitos da sua aplicação, sem a chantagem mediática de quem não hesita em cavalgar o sentimento de insegurança para alcançar os seus propósitos. Uma justiça governamentalizada é inaceitável, mas uma república de juízes resulta necessariamente na arbitrariedade da lei.

 

E é assim que uma alteração legislativa com menos de um ano está a caminho de ser desfeita numa ilógica manta de retalhos. Bastaram 2 semanas de noticiários televisivos. Daqui a uns anitos, quando surgirem 3 ou 4 casos mediáticos de presos que se encontram há anos na prisão sem nunca terem ido a julgamento, alguém se lembrará de olhar para a televisão e lembrar-se de revogar as normas que agora estão a ser redigidas em frente aos ecrãs televisivos.

03
Set08

Se não os podes vencer, tenta comovê-los

Pedro Sales

É espantoso como as melhores ideias conseguem passar despercebidas e ausentes do debate público durante tanto tempo. Andam para aí os juízes, magistrados, governo e oposição a discutirem as leis penais e a melhor forma de combater a criminalidade e, afinal, era só perguntar ao presidente da associação de revendedores de combustível como é que se coloca um ponto na onda de assaltos: contando com o bom senso e compaixão dos assaltantes.  Augusto Cymbrom apelou ainda aos assaltantes para que se recordem que «além de prejudicarem a empresa detentora do posto estão a pôr em causa postos de trabalho».

 

A esta hora já centenas de ladrões devem estar a colocar a mão na consciência e, finalmente conscientes da enormidade do seu acto, vão amanhã a correr seguir o conselho do presidente da ANAREC: "deixem de assaltar e vão trabalhar que é melhor." O problema é que, na tentativa de garantir os postos de trabalho, esta recomendação arrisca-se a aumentar em flecha a taxa de desemprego. O crime dá emprego a muito boa gente, como, num raro momento de ironia, lembrou o mais insuspeito dos autores:

Karl Marx )
27
Ago08

Marlboro MenS

Pedro Sales

O MMS, um novo partido que promete ser ainda pior do que aqueles que já conhecemos, defende um verdadeiro “combate e repressão à criminalidade”. Como? Com o abandono dos tabus da polícia na utilização de armas de fogo, a ideia peregrina de que a vítima deve ter uma palavra na escolha da pena do seu agressor, ou a convicção de que têm que ser os detidos a pagar os encargos do sistema prisional. Para defender esta barbaridade, como a classifica um conhecido constitucionalista, não é preciso um nome modernaço. O que não falta são modelos históricos de “combate e repressão à criminalidade”, como a entende o MMS, desde o faroeste das pradarias norte americanas até aos gulags, rapidamente entendidos por Estaline como uma forma de colocar os presos a pagarem os custos da sua detenção.

14
Ago08

Aprendeu bem e depressa

Pedro Sales

“Eu só quero que ele retire as passagens que sabe não serem verdadeiras”. Quem o diz é Salman Rushdie, que pretende processar um dos agentes especiais que assegurou a sua segurança, esperando que o tribunal impeça a publicação de On Her Majesty's Service. Um dos símbolos mundiais da liberdade de expressão, diz que o livro deste polícia o apresenta como um “homem mau", razão suficiente para pretender censurar a sua publicação. Tantos anos passados, e Rushdie parece-se cada vez mais com os ayatolas. A verdade é só uma e cabe aos eleitos defendê-la. Salman Rushdie aprendeu com os mestres.

12
Ago08

Kinder disparate

Pedro Sales

O Parlamento Alemão anunciou que pretende proibir a comercialização dos ovos de chocolate Kinder Surpresa, argumentando que as crianças não conseguem distinguir os pequenos brinquedos dos bens alimentares. “É triste, mas isso quer dizer que temos que acabar com os ovos Kinder Surpresa”, assegura a responsável parlamentar. Triste, triste, é este disparate. Mais um em direcção à redoma protectora em que a sociedade insiste em colocar os mais pequenos. Na ânsia de proteger as crianças de tudo acabamos por torná-los incapazes de se defenderem de qualquer coisa.


Sintomaticamente, o parlamento alemão não apresenta nenhum caso ou estatística que corrobore as suas preocupações. É normal. A proibição tem menos a ver com os riscos para a saúde do que com a ilusão de que se pode criar um mundo sem risco para as crianças. Só que o risco faz parte da condição humana e é um facto essencial para a nossa aprendizagem e crescimento. Esperem até ver os adolescentes que resultam destes míudos que não conheceram o risco e que nunca saíram dum casulo.


Existe a probabilidade das crianças engolirem os brinquedos? Claro. Bastante marginal, mas existe. Como acontece com os Legos e a infinitude de brinquedos que se encontram no mercado. Por isso é que existem idades recomendadas para cada um deles - a começar pelos ovos surpresa que são para maiores de 3 anos. O resto compete aos pais. Perceber onde começa e acaba o perigo. Que eles estejam muito ocupados consigo próprios e que apoiem todo o tipo de medidas asseptizantes é só a maior tristeza desta disparatada história. Vamos ver quanto tempo demora até chegar até nós.

17
Jul08

O que o 25 de Abril fez foi pôr os pobres na escola

Pedro Sales

“O que o 25 de Abril fez aos filhos dos pobres foi tirar-lhes a única hipótese de eles poderem ascender socialmente”. Filomena Mónica. (via pensamento do meio-dia)


Para Filomena Mónica, o 25 de Abril é muito mais do que o início da democratização da escolaridade, sendo também o responsável por “uma escolaridade que não prima pela exigência: os professores não incentivam, não estimulam. São ensinados a ter pena dos pobres e consideram que esses não podem prosseguir os estudos para serem medicos”. Por quaisquer artes mágicas, Filomena Mónica, José Manuel Fernandes, Fátima Bonifácio e dezenas de colunistas que apenas conheceram uma escola feita pela elite escolarizada a pensar na elite económica e letrada, querem-nos fazer crer que um país fechado, periférico e isolado dos centros de debate e redes de conhecimento europeias produzia uma elite que se distinguia pela autoridade do seu conhecimento. Como é normal, um país periférico, fechado e onde não existe liberdade só pode produzir conhecimento irrelevante. Como irrelevantes eram as suas “elites”, que só o eram à custa da pequenez do meio e da falta de confrontação com os modelos exteriores. Quando, nos últimos anos, surgiram as primeiras comparações internacionais e, surpresa das surpresas, os resultados estiveram longe de ser famosos, meia dúzia de colunistas, quase todos do Público, atiraram-se à escola pública e descobriram insuspeitas virtudes na saudosa escola do fascismo, a mesma que nos deixou 33,6% de analfabetos, sem produção científica e longe das redes europeias de conhecimento.

 

A escola do 25 de Abril, com todos os seus defeitos, respondeu à massificação, mas foi também a primeira a encontrar respostas para a qualidade e a tal produção de conhecimento de autoridade que nunca tinha existido num país que, salvo raríssimas excepções, escondia a mediocridade das suas elites não olhando para o lado de lá da fronteira. O nosso sistema educativo está longe de responder à exigência que o país reclama, mas andou-se muito, em quantidade mas também em qualidade, desde a escola selectiva e de casta deixada pelo fascismo, como o comprova o crescimento exponencial da produção científica em Portugal.

24
Jun08

As inabaláveis convicções do sr. ministro

Pedro Sales

Em mais uma lamentável intervenção, o ministro da Agricultura acusou as confederações de agricultores de terem ligações politicas à “extrema-esquerda e à direita mais conservadora, que pensam que os problemas se resolvem com mais subsídios”. Estas declarações tiveram lugar à entrada para o Conselho de Ministros da Agricultura. Terminada a reunião, o ministro voltou a falar aos jornalistas para anunciar uma linha de apoio de 40 milhões de euros aos pescadores.
 

21
Jun08

Um importúnio chamado realidade

Pedro Sales

O espaço de opinião nos jornais rege-se por regras bem distintas das reservadas para a informação. Mas, mesmo sendo uma interpretação subjectiva da realidade, convém não ter com esta uma relação tão distante como a hipótese do petróleo chegar aos 40 dólares na próxima semana. A crónica de hoje de Pulido Valente vai por este caminho, tendo o prolífico colunista descoberto que o “o Bloco e, em parte, o PC resolveu aproveitar o Europeu para uma campanha contra o futebol”. “O Bloco até descobriu uma conjura imensa entre a “comunicação social” e as forças do capitalismo para anestesiar os portugueses com as proezas de Ronaldo? Prova do crime? O tempo que a televisão perdeu com o campeonato.“

 

Um único problema. Não dei por nenhum dirigente do Bloco, ou do PCP, ter dito qualquer coisa de que se assemelhe vagamente à tese levantada por Pulido Valente, quanto mais uma campanha organizada. Aliás, talvez valha a pena reparar que VPV não só não apresenta uma única citação como não nomeia quem andou a difundir tal “campanha”. É compreensível. Para quê deixar que a realidade atrapalhe uma boa crónica? Curiosamente, que eu tenha reparado, o único político que se insistiu na tese da anestesia do Euro, “alimentado a milhões de euros pelo Governo na televisão "pública" que devia ser "diferente, foi Pacheco Pereira. Pulido Valente anda desatento. Faz umas boas décadas que Pacheco Pereira deixou o “marxismo vulgar”. 


PS: Uma dúvida. Para além dos conceitos marxistas, como a alienação, a única vez que VPV usa as aspas neste delirante artigo é quando se refere à comunicação social. Como não está a citar ninguém, será que isso quer dizer que Pulido Valente encara a comunicação social como uma entidade metafórica?

 

PS1: Vale a pena ler o que diz Vítor Dias sobre este assunto.
 

17
Jun08

Com toda a dranquilidade

Pedro Sales

O Tuttosport fez as contas e constatou que, de acordo com o valor de mercado dos jogadores, a selecção portuguesa de futebol é a mais cara do Euro 2008. São mais de 300 milhões de euros. É verdade que ajuda ter Ronaldo, que custa mais que toda a equipa da Áustria, ou o facto dos extremos nacionais estarem avaliados em 185 milhões de euros. Um dado em comum. Simão, Quaresma, Ronaldo e Nani são todos oriundos das escolas de formação do Sporting, de onde já tinham vindo Figo ou Futre. O mais curioso é que, apesar de se ter notabilizado por ter os melhores extremos do mundo, e de ter facturado mais de 60 milhões de euros em poucos anos com a sua transferência, o Sporting deixou de jogar com extremos. Ou melhor, as escolas de formação jogam, mas a equipa principal não. Fiel ao tal losango, de Paulo Bento, o Sporting parece andar a formar jogadores para as outras equipas. Deve ser a isso que Soares Franco chama “valorizar os activos do Sporting”. Eu chamar-lhe-ia outra coisa.

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