A partir de 2008, as crianças portuguesas entre os seis e os onze anos vão ter
aulas de publicidade nas escolas públicas, no âmbito do programa Media Smart. De acordo com os promotores, o objectivo é ensinar temas e conceitos relacionados com a comunicação comercial e não comercial, pretendendo integrar as matérias lúdico-didácticas concebidas por este programa nos currículos do 1.º ciclo, fornecendo às crianças
“ferramentas para descodificarem a publicidade e aguçarem o sentido crítico”. Daqui a três anos, dizem os organizadores, esperam estar em metade das escolas portuguesas.
Aqui chegados talvez valha a pena sabermos quem é que dá a cara pela
Media Smart. Nada mais nada menos do que a Associação Portuguesa de Anunciantes. Participam no Comité de Direcção do Programa, que tem como objectivo “assegurar a correcta implementação do projecto no terreno”, todos os patrocinadores do Media Smart.
À frente deste comité aparece o director-geral do Grupo Nestlé em Portugal, António Saraiva de Reffóios, e os financiadores até agora conhecidos são a Danone, Kellogg´s, Modelo/Continente e, claro, a própria Nestlé.Nada nesta iniciativa bate certo, a começar pelo extraordinário facto do Ministério da Educação abrir as portas a empresas privadas para, nas escolas públicas, ensinarem e divulgarem conteúdos programáticos. O ME associa-se mesmo, através da Direcçção Geral da Inovação Curricular, a estas empresas para a definição dos currículos e métodos de aprendizagem. Bem sei que o Governo tem um problema com a ocupação dos tempos livres dos alunos, e fica mais barato concessionar a formação pública a
generosas empresas privadas do que a entregar aos tais professores que agora ficaram de fora do concurso, mas a decência tem limites abaixo dos quais não se deve descer.
Mas a verdadeira aberração deste projecto é que estes senhores,
com o apoio do Ministério da Educação, estão a tentar fazer-nos acreditar que algumas das empresas que mais milhões de euros gastam em publicidade destinada às crianças, e a encharcar os miúdos com toneladas de açúcar, vão gastar dinheiro para irem dizer ao seu público alvo para não acreditarem nos seus anúncios. Não é preciso ir a uma aula Media Smart para perceber que isso tem um nome: publicidade enganosa. Este disparate tem tanto sentido como o Ministério da Educação convidar a associação República e Laicidade para ministrar as aulas de Religião e Moral nas escolas, ou convidar a Bayer e a Roche para promover a generalização de genéricos.
Este programa já está a funcionar há muitos anos em vários países, como o Canadá e Inglaterra, diz a Associação Portuguesa de Anunciantes. Tudo bem. Mas, lá como cá, o motivo é sempre o mesmo. Prevenir a crescente pressão que os consumidores, pais e poder legislativo tem vindo a fazer para a diminuição, ou proibição, de anúncios que estimulem o consumo de comida com elevados níveis de açucar e calorias às crianças. Juntando-se debaixo deste simpático chapéu, as empresas envolvidas lançam campanhas de charme para nos chamarem a atenção para o seu elevado sentido de responsabilidade social. Compreendo que o queiram fazer, e até acho legítimo, mas nunca nas escolas públicas, disfarçado de conteúdos programáticos e curriculares.
A obesidade infantil é o maior problema de saúde pública das sociedades modernas e ninguém quer ficar mal na fotografia. A McDonald´s começou a vender saladas e sopas. A Danone e a Nestlé pagam a formadores para tentarem incluir os seus conteúdos programáticos nas escolas do 1º ciclo. Que o Ministério da Educação suporte, e apoie, esta campanha de branqueamento da imagem é que ultrapassa todos os limites do concebível e razoável.