A esta hora já todos sabemos que a SIC, Expresso, Visão, Público e Renascença foram impedidos pelo Governo de José Eduardo dos Santos de entrar em Angola, onde pretendiam fazer a cobertura das eleições. Sendo certo que esta atitude é esclarecedora sobre a natureza da “democracia” angolana, o que eu gostava mesmo de saber é que órgãos de comunicação social portugueses é que foram bafejados com os tão desejados vistos.
Este vídeo foi montado por mim e pelo Daniel Oliveira usando apenas excertos retirados do Jornal da Noite da SIC dos dias 26, 28 e 29 de Agosto. Isso mesmo: apenas três dias. A mistura de crimes graves com crimes menores, dando sempre a ideia, através da quantidade, de uma onda incontrolável de criminalidade, é evidente. De notar a sequência: muitos crimes, reacção do poder politico, empresas que tentam aproveitar a histeria e polícia a fazer encenações para a televisão em bairros sociais.
Já há notícias sobre o ano lectivo e sobre o ano político. Esta onda mediática deve estar a chegar ao fim.
Num país, como os EUA, onde mais de 66% dos habitantes têm excesso de peso, os candidatos presidenciais começam a desdobrar-se em acções para captar o voto dos cidadãos obesos. Quem o diz é uma “reportagem” (que se pode ver no vídeo aqui colocado) publicada há uns meses por um dos mais conhecidos sites satíricos do mundo, The Onion.
Parecendo acreditar no lema do site humorístico, que se proclama como a melhor fonte de notícias sobre a América, o vetusto Wall Street Journal publicou há uns dias uma “notícia” semelhante sobre Barack Obama. O título não podia ser mais sugestivo: “Too fit to be president?’”. A singular constatação do jornal é que, “Perante um eleitorado com excesso de peso, a reduzida gordura corporal de Barack Obama pode vir a revelar-se uma desvantagem” para o candidato. Se a noticia já tinha todos os ingredientes para ser um disparate, as coisas pioram quando se percebe que algumas das citações usadas pela jornalista foram retiradas de um fórum de discussão do Yahoo... numa discussão iniciada pela própria repórter. O Wall Street Journal já corrigiu o artigo, indicando esse facto, mas fica cada vez mais notório como é ténue a distinção entre humor e jornalismo. Ou, se olharmos para o excelente Daily Show, até ficamos com a impressão que é em programas como os de Jon Stewart ou Stephen Colbert que encontramos as verdadeiras notícias. E mais rigorosas.
Nota: A notícia do WSJ, e o link para o fórum de discussão, foram descobertos através do Daringfireball.
Umas férias muito estranhas (ou como se constrói uma narrativa)
Bem sei que a história do presidente providencial, que interrompe as férias preocupado com os superiores problemas da nação, é cativante, mas também não é preciso exagerar. Principalmente quando, para desmentir uma capa, basta consultar a agenda de Cavaco Silva no site da Presidência da República...onde se pode ler que o PR esteve ontem a trabalhar e já tinha uma iniciativa marcada para hoje à noite.
careca, dente amarelado, olheiras de três dias... são comunas de certeza
Com a luta de audiências ao rubro no mercado de cabo norte-americano, a Fox desce a níveis impensáveis e retoca as imagens de jornalistas menos simpáticos com a causa Murdoch. (aqui para Media Matters)
Que o DN era uma anedota na internet já os seus leitores sabiam. A navegação no site, os conteúdos, o motor de busca e a demente página inicial são web 0.1. Aliás, através da Wayback, podemos ver a página do DN em Junho de 1998:
Mais ou menos a mesma pobreza de hoje, mesmo assim mais navegável. A evolução do DN em mais de uma dezena de anos na net já mostra, portanto, claras tendências suicidas. Isto já vem, é claro, de muito longe: a tortura do grafismo e a sua evolução duvidosa são tópicos recorrentes na edição em papel.
Hoje chegámos à balda total. Desde as 7 da manhã até agora, 22h17, a página inicial do dn.sapo.pt tem o Bastonário dos Advogados em landscape e ninguém diz nada. Está tudo a ver a bola, o pessoal do DN não deve ter acesso à net e o Sapo, obviamente, não está interessado em manter um nível mínimo de qualidade. Azar, fica assim.
“Há um mês que o primeiro-ministro não fuma e sente-se bem”. Quem nos garante tão relevante informação para o sucesso do país não é a Lux ou a Caras Notícias, mas o Jornal da Noite da SIC, que ontem apresentou uma prolongada peça sobre os hábitos tabágicos de José Sócrates desde a passagem do milénio. Quando é que começou a fumar, quando é que teve uma recaída, e quantos cigarritos fumava depois dos comícios na campanha eleitoral. O primeiro-ministro, diga-se, só não revelou a marca que fumava e se os cigarros eram light ou sem filtro. “Há mais de um mês sem nicotina, Sócrates não ficou com pior humor”, sossegava-nos o jornalista antes de asseverar que, “como qualquer vício, o mal é começar”. Tem razão. Volta não volta e o noticiário da SIC não se distingue da Caras Notícias.
A recente confirmação de que a Casa Branca enganou deliberadamente a imprensa sobre as motivações da guerra no Iraque levantou um interessante debate sobre a independência dos media do outro lado do Atlântico. A questão nem é tanto perceber como foi possível à Casa Branca enganar durante tanto tempo a imprensa, mas como é que os jornalistas em peso suspenderam o seu cepticismo e a capacidade de escrutinar a informação veiculada pela administração Bush. A tendência mais natural é pensar que uma coisa dessas só foi possível numa América prestes a entrar numa guerra ainda marcada pelo trauma do 11 de Setembro. É confortável pensar assim, mas talvez valha a pena pensar que, por cá, nem é preciso ao país entrar em guerra. Basta a selecção de futebol andar a correr atrás da bola no Europeu para ver dezenas de jornalistas a comportarem-se com uma objectividade e espírito critico que fariam Luís Delgado e António Vitorino corar de vergonha. O “caso Ronaldo” é exemplar. Apesar de se tratar de um jogador que, estando sob contrato com o Manchester, faz declarações quase diárias sobre a incerteza do seu futuro e a sua vontade em jogar no Real Madrid, a única imagem que a imprensa transmite é a da desestabilização emocional provocada pelo assédio da comunicação social espanhola e do clube de Madrid... E o pior é que os intermináveis directos vazios de conteúdo informativo são apenas o sinal mais visível do que se passa noutra esferas da sociedade, onde uma visão muito redutora do “interesse nacional” leva uma parte considerável da imprensa a fazer um registo semi-oficioso de acontecimentos como as visitas oficiais do primeiro-ministro. Ou será que não acontece nada mais importante do que o jogging do PM?
O jornal da Noite da SIC anunciou ontem um importante exclusivo: as imagens, captadas por um telefone satélite, do interior do avião que levou a selecção à Suíça. Ver os jogadores a recostarem-se nos cadeirões da classe executiva era a informação que faltava aos portugueses para se aperceberem da grandiosidade dos feitos que esperam a equipa das quinas. Já conhecíamos todos os cantos dos quartos de hotel, os gostos pessoais de cada um e o local onde Petit compra as meias. Mas nunca os tínhamos visto no avião. Por um momento, deixou-se de lado o principal assunto do estágio. Os clubes, actuais e futuros, das vedetas lusas. Com tanta convívio com os jornalistas que mais parecem agentes dos jogadores, e com os verdadeiros agentes, talvez exista algum espaço mental para os jogadores ouvirem o que é que Scolari tem para dizer. De preferência antes de chegar o primeiro jogo.
Este blogue avisa que só traficamos armas ao sábado e domingo
A reportagem ontem transmitida pela SIC sobre "os perigos da internet" é um dos momentos televisivos mais hilariantes dos últimos tempos. Para quem não viu - erro que rapidamente deve corrigir aqui, via 5 Dias -, Moita Flores faz o favor de alertar os portugueses, nos tons apocalípticos de quem comenta a internet com a mesma seriedade com que "analisa" o desaparecimento de uma menina inglesa, que os blogues são o espaço onde se trafica armas, organizam terroristas e se organiza o branqueamento de capitais...
Depois de desfilar mais um sem número de lugares comuns, como o de uma disparatada noção de invasão da privacidade e de uma leitura mais que enviesada do caso Cicarelli, o jornalista que introduz a peça avisa-nos que um computador portátil é tudo quanto precisamos para começarmos a contar mentiras ao mundo todo. Ora, ora. Nem é preciso tanto. Basta esperar um minutinho e continuar ligado na SIC. Como o sentido da reportagem, e do debate que se lhe seguiu, é que um dos principais “perigos da internet” é o vazio legal que permite a impunidade da calúnia, a SIC garante que António Baldino Caldeira, o autor do blogue Portugal Profundo, nunca chegou a ser julgado por ter posto em causa as credenciais académicas do primeiro-ministro que elegeu como um “alvo".
Se o jornalista tivesse feito o seu trabalho, e não andasse à procura de casos que confirmassem a sua tese a martelo, teria percebido que António Baldino Caldeira “nunca chegou a ser julgado” porque a procuradora do MP resolveu arquivar a acusação feita por José Sócrates, entendendo que não havia «indícios de crime» nos dois textos publicados por António Caldeira. É verdade que o jornalista apresenta a reportagem com um portátil na mão. Se calhar até é capaz de ter alguma razão...
As verdades feitas escondem sempre velhas mentiras
A Entidade Reguladora da Comunicação Social apresentou ontem o seu relatório relativo a 2007, incluindo desta vez a análise à programação e informação de todos os canais televisivos, público e privados. Os dados relativos à informação são muito curiosos, permitindo desmentir uma série de velhas verdades feitas;
1. Ao contrário do que afirmava o PSD há uns meses, e de Pacheco Pereira que apenas encontra os "momentos Chávez" na RTP, a presença do Governo nos outros canais em nada se distingue da que acontece no canal público. De resto, até é na SIC que o Governo e PS encontram mais tempo de antena, ou não tenha sido esta a estação escolhida por José Sócrates para conceder as suas duas últimas entrevistas televisivas.
2. Há muito tempo que a famosa conversa sobre o Bloco ser levado ao colo pelos jornalistas não tem nada a ver com a realidade. Com votações similares ao PP e PCP, o Bloco tem cinco vezes menos notícias que o PP na SIC, quatro na RTP, e três na TVI. Mesmo o PCP, sempre pronto para reclamar da sua discriminação em relação ao "mediático" Bloco, aparece mais três vezes em todos os canais.
3. O impacto da comunicação social (mesmo da televisão) na construção de uma percepção pública sobre os partidos é sobremaneira exagerado. Pegue-se no exemplo do Bloco que, com uma cobertura noticia ínfima em relação ao PP, continua a crescer nas sondagens, onde aparece invariavelmente com o dobro das intenções de voto do PP.
Pacheco Pereira entende que os grandes planos da cara de Manuela Ferreira Leite, na entrevista de Judite de Sousa, rrepresentam “todo um programa” sobre a parcialidade jornalística. O objectivo? Mostrar “uma mulher velha e cansada, com rugas, com o tempo na cara”. Só que, como se pode ver numa breve busca no Youtube, escapou a Pacheco Pereira a verdadeira dimensão da perfídia do realizador da RTP para perceber que o mesmo já tinha sido feito a Simone de Oliveira ou a Marinho Pinto - só para dar dois exemplos. O programa, que está longe de ser perfeito, anuncia na sua página que "os rostos da notícia estão na “Grande Entrevista" da RTP." O artigo de Pacheco Pereira é todo um programa, sim, mas sobre a forma enviesada como o próprio encara a imprensa e gere a sua intervenção pública e política. Quando não se vitimiza a si próprio, pela perseguição que a esquerda lhe faz pelo seu alinhamento com a guerra no Iraque ou pelos “falsos blogues pornográficos” que teimam em aparecer para retirar o Abrupto da liderança dos blogues nacionais, está a tentar a mesma táctica com aqueles que defende. Só um problema. A fragilidade da candidatura de Manuela Ferreira Leite é a candidata. Pela sua desastrada passagem pelo Governo e pela absoluta falta de tacto político, como se pode ver pelo autêntico disparate que têm sido as escassas oportunidades em que diz qualquer coisa.
PS: Já que se fala na Grande Entrevista, de Judite de Sousa, talvez valha a pena lembrar que cinco dos últimos sete entrevistados são do PSD. Os outros não são políticos. Como esta semana deverá caber a sorte a Pedro Passos Coelho, de há dois meses a esta parte que o principal programa de entrevistas da estação pública está tornado numa espécie de “Povo Livre” televisivo.
O jornalismo de "causas" e os factos do jornalismo
No meio da patética perseguição movida pelo PSD a Fernanda Câncio, uma das acusações que tem permanecido quase ignorada é aquela onde este partido diz que a RTP não a pode contratar porque se trata de uma jornalista de “causas” e, portanto, parcial. Apesar das denúncias contra a injustiça, tirania e corrupção fazerem parte do melhor que a história do jornalismo tem para nos oferecer, num país em que as pessoas confundem imparcialidade com ausência de opinião a acusação tem a força de um anátema.
Sucede que o incómodo do PSD, retomado por uma parte significativa da blogosfera de direita - mesmo entre a esmagadora maioria que criticou o partido de Menezes - não é tanto com a existência de “causas”, mas mais com a natureza das mesmas. Jornalismo de “causas” tornou-se, entre nós, um eufemismo para dizer que se defende a despenalização do aborto, a separação do Estado e Igreja, ou a igualdade de direitos entre todas as pessoas, independentemente do género, opção sexual ou cor da pele. São os temas “fracturantes”, outro termo que está longe de ser inocente.
De resto, não deixa de ser curioso que, mais coisa menos coisa, a agenda que é considerada fracturante seja coincidente com as posições da esquerda. À direita, como se sabe, não existem “causas”. Existem causas e factos. E é assim que temos que assistir impavidamente às intermináveis horas de televisão e capas de jornais com o alarmismo sobre a violência escolar, misturando números de tesouras e canivetes suíços com armas de fogo para darem contra de uma realidade que os números não atestam. Isso, ou constatar a artificialidade dos cíclicos climas de insegurança agitados por alguma imprensa no país com uma das menores taxas de criminalidade de todo o mundo e com um número recorde de policias na Europa.
Aí, nada. Não há nenhuma causa nem agenda política. Só a dura neutralidade dos factos, mesmo quando estes são sistematicamente desmentidos pelos números e indicadores internacionais. Mas ai de quem diga o contrário. É porque se trata um jornalista de “causas” ou tem uma agenda escondida.
De Toronto a Pequim, de Nova Iorque a Nova Deli a imagem de um gigantesco chapéu construído no topo de uma das maiores atracções turísticas do mundo alastrou à velocidade de um vírus informático. Um pequeno problema. Era falsa, nunca tendo existido nenhum plano para celebrar os 120 anos da Torre Eiffel construindo uma estrutura de kevlar que permitisse duplicar o número de visitantes. Um pequeno truque promocional de um atelier de arquitectos de Paris, que o Guardian e o New York Times tomaram como válido, originou uma bola de neve que enganou a metade da imprensa mundial que nunca se deu ao trabalho de fazer um telefonema para o correspondente em Paris.
A SIC acaba de passar uma notícia indicando que os portugueses são o povo da Europa que menos se preocupa com a sua saúde oral. Para além dos dados estatísticos, que indicam que menos de 45% dos cidadãos vão ao dentista uma vez por ano, foram entrevistar alguns desdentados idosos numa aldeia do interior do país, inquirindo-os sobre a sua renitência em se deslocarem ao dentista. A resposta, simples e directa, não se fez esperar: o país era pobre e não tínhamos dinheiro. Perante isto, o jornalista remata a peça dizendo que demora muito tempo a mudar as mentalidades. Pois, a começar pelas de alguns jornalistas...
A imprensa tradicional tem sido lenta a aproveitar as potencialidades da blogosfera, olhando-a normalmente com um misto de desconfiança e sobranceria. Até por isso, a nova funcionalidade hoje posta em funcionamento pelo Público é uma excelente notícia. Mesmo com as colunas de opinião a continuarem reservadas a assinantes e as notícias que se evaporam da net sem deixar rasto, é justo reconhecer que, juntamente com o Sol, o Público é o jornal que tem olhado de uma forma mais séria para a blogosfera e outras formas de comunicação, como o twitter.
Para se ter uma ideia da importância dos novos meios e da sua relação com as políticas editoriais da imprensa tradicional, talvez valha a pena lembrar que o New York Times teve o seu acesso na net condicionado durante dois anos ao pagamento de uma assinatura. Desistiu há poucos meses, com uma alteração radical de política que levou o centenário jornal a disponibilizar na net todos os seus arquivos, de 1851 até aos nossos dias. A razão? Nas pesquisas efectuadas através do Google, os principais blogues e a wikipedia apareciam sistematicamente à frente do NY Times. Sem links perdem-se visitantes e sem estes não há receitas publicitárias e capacidade para “fazer” opinião. Com o crescente número de pessoas que pesquisam notícias e opinião na net, a imprensa tradicional não pode continuar a ignorar a blogosfera ou outros meios de sociabilização em linha. Com o passo hoje dado, o Público provou ter a capacidade para andar um passo à frente da sua concorrência.
O Estado desconfia dos privados, abomina o lucro, prefere a ineficiência “igualitária” à eficiência que pode fazer a diferença. E por isso não se importa de enviar um exercito de fiscais administrativos para garantir que um operador privado não ganhará um cêntimo a mais, mesmo quando esse operador está a prestar melhor serviço às populações. José Manuel Fernandes, Público, 20 Março 2008
Se é certo que os suspeitos do costume não se cansam de lamentar o fim da gestão privada do Amadora-Sintra, o editorial de ontem de José Manuel Fernandes é merecedor de atenção especial. Em primeiro lugar porque é extraordinário perceber como é que se consegue escrever um texto com mais de 4 mil caracteres sem apresentar nenhuma fundamentação para os seus argumento, para além do nível zero da argumentação que é dizer que estamos perante uma medida “estalinista”. Quanto ao resto, o director do Público limita-se a recorrer ao já habitual chorrilho de preconceitos sobre a gestão pública e as vantagens da privada.
"There wasn't any reporting in the rest of the press corps, there was stenography. The administration would make an assertion, people would make an assertion, people would write it down as if it were true, and put it in the newspaper or on television." (Huffington)
O Público foi o “meu” primeiro jornal. Melhor, foi o primeiro jornal que comprei com o meu dinheiro. Como o meu avô tinha sido revisor na Capital e no DN, a entrada do Público numa casa onde sempre se lera estes jornais foi entendida como uma traição. Mas o Público foi também isso. Uma ruptura geracional com um país fechado e provinciano que encontrava na maioria da imprensa um espelho fiel do seu atraso. Foi o primeiro jornal nacional a destacar temas como a ciência, tecnologia, educação ou a conceder o merecido destaque à política internacional. Todos os dias tinha um suplemento, regra geral de qualidade. O seu grafismo era irrepreensível e a redacção fazia uso disso para dar à luz capas arrojadas sobre temas como os avanços na descodificação do ADN, a descoberta de novas galáxias ou novos conhecimentos sobre o esqueleto de Lucy.
A rede de correspondentes, e os exclusivos internacionais a que tinha acesso pela sua ligação a jornais como o Independent ou o El Pais, fizeram a diferença na excelente cobertura da primeira guerra do Iraque ou do desmantelamento do mundo soviético. A sua opinião estava bastante acima da média, era plural e conflituante entre si. Foi com o Público, e com as tiras do Calvin e a crónica do Eduardo Prado Coelho, que adquiri um hábito que ainda hoje mantenho: ler os jornais a partir da contra-capa. Eram o primeiro momento na chegada à faculdade e, não raras vezes, o primeiro tema de conversa (ok, o segundo, depois dos Monty Phyton).
Só que, onde o país se foi modernizando, o Público regrediu. Vicente Jorge Silva saiu e o jornal nunca mais se encontrou com a sua (nova) identidade. A segunda guerra do Iraque marcou a segunda fase deste jornal, marcada pelo progressivo alinhamento e intervenção política do seu director. José Manuel Fernandes não é um jornalista que dirige um jornal, é um politico que está à frente de um jornal para fazer proselitismo ideológico. O que seria normal num projecto que tivesse nascido com esse código genético, causa estranheza no Público, que começou alinhado com jornais como o Guardian, Independent ou El Pais, e agora se vê refém de uma agenda liberal e/ou neoconservadora que não casa com a sua história. A disfuncionalidade foi-se acentuando e as vendas descendo e descendo. Desde que José Manuel Fernandes pegou no jornal, o Público perdeu um terço dos seus leitores.
Em parte porque a redacção foi sendo sucessivamente reduzida, os correspondentes há muito que se foram e os exclusivos idem aspas, aquele que foi o primeiro projecto editorial aberto ao mundo e de qualidade internacional foi-se resignando a ser mais um título no panorama da imprensa nacional. Como sobra muito pouco do jornal que se iniciou há precisamente 18 anos, o que fica são as campanhas políticas do seu director, visíveis em capas como a do “ataque à cidade mais tolerante de Israel” e editoriais com a “lágrima no canto do olho” pelo “25 de Abril de Bagdad” que iria levar a democracia a Riade. Ficaram excelentes jornalistas e alguns bons colunistas, é certo, mas o Público já não é o Público. Num gesto impensável em qualquer jornal de referência, e para provar a radicalidade do corte com o passado, até o traço mais inamovível de qualquer jornal – o cabeçalho - se foi. Ficou o toque distintivo do seu director, agora decididamente coadjuvado pela sua alma mater. O que é muito pouco para quem tanto prometeu.
O Público faz 18 anos amanhã, editando um número especial que será dirigido por José Pacheco Pereira. A mais valia de convidar personalidades exteriores à redacção para editar um número do jornal é esperar que estas tragam uma visão diferente da sociedade e um alinhamento distinto do que é preconizado pela direcção do jornal. Foi assim com Bono, no Independent, ou Jorge Sampaio, no Correio da Manhã. José Manuel Fernandes, no entanto, resolveu convidar a sua meta aspiracional, numa espécie de momento em que o alter ego convida o criador. Juntos, e a cores, o original e a fotocópia. No dia em que o Público comemora a sua maioridade, este convite não pode deixar de ser encarado como um ponto simbólico na longa e penosa deriva editorial de um projecto inovador na imprensa nacional, e que começou alinhado editorialmente com projectos como o Guardian ou o El Pais, para se ver cada mais amarrado a um espaço de opinião liberal e às cruzadas políticas do seu director.
A CNN despediu um dos seus produtores depois da direcção da estação descobrir que o mesmo assinava um blogue com o seu nome. Na origem do despedimento não esteve em causa a sua produtividade, até porque o blogue era actualizado fora das horas de trabalho, mas as opiniões políticas defendidas pelo jornalista. Segundo lhe foi comunicado, a CNN tem pessoas ao seu serviço cuja única ocupação é vasculhar a net à procura de textos assinados por funcionários da estação. Um comportamento digno de uma polícia política, vindo de uma cadeia televisiva que tem meia dúzia de spots autopromocionais a defender a liberdade de imprensa e de expressão. Fora de portas, claro está.
A mesma imprensa e colunistas que dedicaram dezenas de horas e páginas de jornal a discutir a entrada do Governo de José Sócrates em campanha eleitoral, discute agora o tabu da sua recandidatura sem se deter 3 segundos na contradição. Será que alguém acha que o homem está em campanha para entregar o cargo a Vitalino Canas? Sejamos sérios, o tabuzinho da recandidatura tem menos densidade intelectual que um episódio dos Morangos com Açúcar. É um "não tema", e só mereceu todo este destaque porque a entrevista de José Sócrates foi a irrelevância política da semana. Sem novidades, e sem uma justificação convincente para o que fez nos últimos 3 anos, limitou-se a debitar a matéria dada nos últimos debates no Parlamento. Convenceu os convencidos.
Se nunca leu uma crítica literária que começa por pesar o livro em análise, não perca mais tempo. O Expresso publicou no seu site a "crítica" (as aspas são minhas) ao mais recente livro de Miguel Sousa Tavares(via corta-fitas). O caso mereceu alguma atenção porque a direcção do jornal recusou a publicação deste mesmo texto no jornal, e a autora, Dóris Graça Dias, argumentava ter sido censurada pelo facto de Miguel Sousa Tavares também escrever no Expresso. O seu caso parece simpático, e propício às teorias da conspiração que tanto sucesso costumam fazer, mas não resiste a uma leitura do seu texto. É confrangedor. Nem a um aluno do 1.º ano da extinta Universidade Independente se perdoava um texto tão desconexo. Em nenhum momento se critica o livro de Miguel Sousa Tavares. Não li o "Rio das Flores", nem pretendo ler, mas não é preciso conhecer o livro para perceber que tudo o que motiva Dóris Graça Dias é a sua embirração com o sucesso editorial de Miguel Sousa Tavares. Não deixa de ser curioso, aliás, que a informação mais detalhada que nos transmite sobre a obra é a sua tiragem e peso.
O jornalista do New York Times que revelou o programa ilegal de escutas, autorizado por George Bush, foi intimado para revelar as fontes a que recorreu para escrever um capítulo do seu livro sobre o programa nuclear iraniano. Se não o fizer, será preso. Não é a primeira vez que um jornalista do Times é detido por se recusar a revelar as fontes de notícias que embaraçaram a administração Bush. Embora o caso não seja o mesmo, não há como negar que este processo é mais uma tentativa de perseguição política sobre a imprensa que ainda investiga o que se passa nos pouco recomendáveis bastidores da dupla Bush-Cheney.
Jon Stewart e o seu tema preferido: a “independência” das narrativas jornalísticas na política norte-americana. Um exercício que pode facilmente ser transposto para qualquer acto eleitoral, em qualquer parte do mundo. Por cá, basta recordar a influência que teve nas últimas presidenciais uma certa fotografia de Mário Soares na capa de um semanário.
Das 2275 perguntas efectuadas aos candidatos presidenciais americanos nos cinco principais programas televisivos, apenas 24 estão relacionadas com as alterações climáticas.O aquecimento global apenas é referido por 3 vezes - tantas como as questões colocadas aos candidatos sobre ovnis e a vida noutros planetas! O balanço podia apenas ser revelador da forma como a imprensa se concentra cada vez mais em questões secundárias, o que é verdade, mas é bem mais revelador do que isso. Nos debates promovidos pela CNN/Youtube a omissão é total: as questões ambientais não existem. Uma lacuna que se compreende melhor quando se percebe que o principal patrocinador dos debates é o lobby das empresas de extracção de carvão. Tudo gente simpática que, no seu site, se orgulha de pretender gastar 35 milhões de dólares na campanha presidencial para melhorar a imagem pública das centrais eléctricas a carvão e apoiar os candidatos que se opõem a medidas legislativas para diminuir a emissão de CO2.