Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Zero de Conduta

Zero de Conduta

17
Jul08

O que o 25 de Abril fez foi pôr os pobres na escola

Pedro Sales

“O que o 25 de Abril fez aos filhos dos pobres foi tirar-lhes a única hipótese de eles poderem ascender socialmente”. Filomena Mónica. (via pensamento do meio-dia)


Para Filomena Mónica, o 25 de Abril é muito mais do que o início da democratização da escolaridade, sendo também o responsável por “uma escolaridade que não prima pela exigência: os professores não incentivam, não estimulam. São ensinados a ter pena dos pobres e consideram que esses não podem prosseguir os estudos para serem medicos”. Por quaisquer artes mágicas, Filomena Mónica, José Manuel Fernandes, Fátima Bonifácio e dezenas de colunistas que apenas conheceram uma escola feita pela elite escolarizada a pensar na elite económica e letrada, querem-nos fazer crer que um país fechado, periférico e isolado dos centros de debate e redes de conhecimento europeias produzia uma elite que se distinguia pela autoridade do seu conhecimento. Como é normal, um país periférico, fechado e onde não existe liberdade só pode produzir conhecimento irrelevante. Como irrelevantes eram as suas “elites”, que só o eram à custa da pequenez do meio e da falta de confrontação com os modelos exteriores. Quando, nos últimos anos, surgiram as primeiras comparações internacionais e, surpresa das surpresas, os resultados estiveram longe de ser famosos, meia dúzia de colunistas, quase todos do Público, atiraram-se à escola pública e descobriram insuspeitas virtudes na saudosa escola do fascismo, a mesma que nos deixou 33,6% de analfabetos, sem produção científica e longe das redes europeias de conhecimento.

 

A escola do 25 de Abril, com todos os seus defeitos, respondeu à massificação, mas foi também a primeira a encontrar respostas para a qualidade e a tal produção de conhecimento de autoridade que nunca tinha existido num país que, salvo raríssimas excepções, escondia a mediocridade das suas elites não olhando para o lado de lá da fronteira. O nosso sistema educativo está longe de responder à exigência que o país reclama, mas andou-se muito, em quantidade mas também em qualidade, desde a escola selectiva e de casta deixada pelo fascismo, como o comprova o crescimento exponencial da produção científica em Portugal.

17
Jul08

Saudades de uma escola de casta

Pedro Sales

Não deixa de ser engraçado reparar como Maria Filomena Mónica, e a esmagadora maioria dos comentadores que enchem a imprensa a defender a meritocracia da escola “de antigamente”, pertencem quase todos a uma geração que beneficiou de uma agressiva selectividade social que lhes garantiu uma entrada na faculdade sem competição e um emprego garantido, e exemplarmente remunerado, à saída da faculdade para a meia dúzia de doutores do país. O 25 de Abril encontrou um país com 130 mil licenciados e quase 2,5 milhões de analfabetos. Associar o mérito ao sistema escolar anterior a 1974 é apenas mais uma falácia para atacar a massificação proporcionada pelo ensino público e o fim de uma universidade elitista e de casta.

25
Jun08

Choque tecnológico

Pedro Sales

Para justificar o aumento das propinas, o Governo de António Guterres garantiu que estas verbas serviriam apenas para “aumentar a qualidade do ensino” e nunca seriam usadas para pagar as despesas de funcionamento das faculdades. As propinas estavam indexadas ao salário mínimo, um mecanismo que caiu pouco depois com o Governo do PSD/PP. As propinas duplicaram e andam agora pelos 900 euros/ano, um dos valores mais altos em toda Europa. Pelo meio, o número de alunos no ensino superior cresceu 46% mas o investimento público diminui 12%. As propinas foram escondendo as condições miseráveis em que se vai trabalhando nas instituições do ensino superior. Quando a manta é pequena, fica-se sempre destapado. Como agora aconteceu em Aveiro, onde a Universidade vai pagar os subsídios de férias recorrendo ao dinheiro destinado à investigação científica. Deve ser isto a que o Governo chama de choque tecnológico.

08
Mai08

Egoísmo geracional

Pedro Sales

No Canhoto, Rui Penas Pires defende que, em nome d”as pressões para prosseguir na via da redução do défice”, os custos de financiamento do ensino superior deveriam ser integralmente suportados pelos estudantes, pagando-os de forma diferida depois da sua entrada no mercado de trabalho. Como "a exclusividade do financiamento estatal é, também, a alternativa do aumento, e significativo, dos impostos", Rui Pena Pires termina exigindo alternativas de financiamento a todos quantos discordam da sua proposta.

 

Em primeiro lugar, fica-se sem saber de que país é que Rui Pena Pires está a falar. Não pode ser de Portugal, porque, por cá, vivemos no segundo país da Europa dos 15 onde o Estado menos investe por aluno, o que não o demove de cobrar das propinas mais caras em termos absolutos. De resto, e citando a OCDE, o investimento  público no ensino superior tem vindo a diminuir desde que as propinas aumentaram, apesar do número de alunos ter aumentado 46% no mesmo período. Perante este cenário, fica-se sem perceber qual a razão que impele Rui Penas Pires para a descoberta de alternativas de financiamento.


Mas, discutamos o empréstimo. Voltando novamente aos números da OCDE, cada estudante custa qualquer coisa como 5 mil euros por ano. Mesmo num curso de 3 anos, e com as demais despesas associadas à frequência universitária, estamos a falar do quê? De um empréstimo à volta dos 30 mil euros? Se reparamos que metade da população paga cerca de 100 mil euros pela casa que leva 35 anos para pagar, dá para perceber a dimensão do fardo financeiro que este modelo de financiamento significaria para quem tenta iniciar a sua vida activa e da insuportável selectividade social que acarreta.


Nesse sentido, só por despautério é que se pode comparar o fundamentalismo liberal  desta proposta com o modelo público de financiamento da segurança social e a defesa de mecanismos de “solidariedade entre gerações de trabalhadores”, como defende Rui Pena Pires. Pelo contrário, o que este argumento revela, mesmo que isso escape ao seu proponente, é um indisfarçável egoísmo geracional. Rui Pena Pires, que pertence a uma geração em que o ensino superior era quase gratuito, mas estava reservado a uma ínfima elite que assim garantia sem dificuldades o acesso aos empregos mais bem remunerados, entende que a presente geração, que entrou na universidade para se ver atirada para empregos para de 500 euros, tem que pagar a factura integral dos seus estudos. Onde é que está a solidariedade em endividar os jovens licenciados num país em que 50 mil se encontram no desemprego, e onde outros 43 mil só encontram trabalhos desqualificados, arriscando-se a fazer parte da primeira geração do pós-guerra que vai viver pior do que os seus pais?

Não pode deixar de ser significativo que, como lembra o João Rodrigues, seja num blogue que tem vindo a defender a “actualização" da social-democracia que possamos encontrar propostas a defender a destruição dos ténues mecanismos de democratização e justiça social presentes na nossa sociedade. Para isso, sempre prefiro o discurso dos liberais. As propostas são as mesmas e estes, verdade seja dita, sempre têm a vantagem de dizer ao que vêm sem recorrerem a subterfúgios para insinuarem que o fazem para preservar o Estado social.

04
Abr08

O apocalipse numa escola perto de si

Pedro Sales
Nas últimas três semanas, uma overdose comunicacional transformou um caso de indisciplina numa escola do Porto num problema de generalizada violência escolar e, desde as declarações de ontem do PGR, num caso de delinquência e marginalidade infantil. Por este andar, para a semana estaremos a ouvir que o centro da criminalidade organizada em Portugal tem lugar nas escolas primárias do país. Em vez de serenar e procurar soluções para um problema que existe – a indisciplina –, esta histeria não contribui um mílimetro para a resolução do caso.

A deriva securitária, que quer transformar as escolas num campo permanentemente vigiado e policiado, não só não faz nada para devolver a autoridade docente, como, pelo contrário, a dissolve ainda mais. Que confiança é que os alunos, pais e a sociedade poderão ter na capacidade de uma escola que precisa da polícia para resolver os problemas de insolência e desobediência nas salas de aula?

Curiosamente, para além do já comum espectáculo comunicacional montado por quem está mais interessado em preencher intermináveis blocos noticiosos num país pobre em novidades,  grande parte deste fogo é ateado por quem menos se esperaria: o Procurador Geral da República. Seria de supor, mais não seja pelo cargo que ocupa, que o PGR não se comportasse como um incendiário num pradaria, ateando um fogo que depois está longe de poder controlar. Como é comum no país, esta loucura em espiral durará até que alguma comunicação social encontre outro tema que “venda”. Até lá, nada será feito para perceber a única questão que verdadeiramente interessava. Saber se as escolas têm, ou não, os melhores mecanismos para resolverem os problemas de indisciplina.

De resto, esta corrida ao adjectivo mais sonoro para depreciar o sistema escolar, e o comportamento de toda uma geração, produzirá os seus resultados. É impossível que tantas dezenas de horas de exposição à premonição do apocalipse em cada escola não deixe as suas marcas na formação pessoal dos receptores. No início da semana, o Público tinha uma reportagem no regresso às aulas no Carolina Michaellis e na secundária Eça de Queiroz, em Lisboa. Nesta escola, o presidente da associação de estudantes, com 16 anos, dizia como é que resolvia o problema do telemóvel no Porto. “Se fosse minha filha partia-lhe os braços”. Mais um exemplo da irresponsabilidade da juventude? Mais devagar. Ou será que não repararam no espectáculo pouco digno que lhe estão a servir diariamente?
03
Abr08

As propinas eram para aumentar a qualidade das faculdades, lembram-se?

Pedro Sales

As famílias e os próprios estudantes (aqueles que trabalham) do Ensino Superior têm amortecido a quebra do montante de investimento público por discente, que se cifrou em menos 12%, quando se comparam os montantes de 1995 e 2004. O investimento privado (famílias) passou de 3,5% para 14% no mesmo espaço de tempo. O desvanecimento financeiro do Estado é quase integralmente compensado pela contribuição das famílias.

Em Espanha, o investimento público por estudante do Superior aumentou significativamente entre 1995 e 2004 (de 100 para 171, isto é, 71%), isto apesar de o número de alunos inscritos até ter decrescido (ver infográfico em que os valores de 1995 são todos iguais a 100). Em Portugal, passou-se o inverso o número de estudantes até aumentou 46%, mas o investimento público diminuiu 12%.

O período analisado pela OCDE coincide, quase integralmente, com a entrada em vigor das propinas. Para quem não está lembrado, o principal argumento dos seus defensores era o do reforço da qualidade do serviço prestado. António Guterres, garantiu mais de que uma vez que não seria gasto um escudo das receitas das propinas a pagar salários ou com as despesas de funcionamento das instituições. Dez anos depois, os resultados estão à vista. Mais alunos nas faculdades, menos dinheiros no orçamento das instituições. Agora, que pretende generalizar um sistema de empréstimos no ensino superior, José Sócrates garante que não vai diminuir a despesa pública com a acção social escolar. Ainda alguém acredita?

Aqui: mais dados sobre o desinvestimento público no ensino superior.
26
Mar08

O pelhourinho

Pedro Sales

Desculpem lá não entrar na histeria nacional que varre a imprensa e blogosfera, e que já vai no Procurador Geral da República, mas talvez valha a pena parar um pouco para perceber que o que se passou no Carolina Michaellis é um caso disciplinar que deve ser resolvido dentro da escola, sendo completamente descabido que o própro PGR se envolva pessoalmente na investigação criminal do sucedido.


O mesmo Procurador Geral da República que precisou de ler quatro edições de uma investigação efectuada pelo Expresso - com base em material de prova que estava há anos na posse do MP - para perceber que tinha que fazer qualquer coisa sobre o Casino de Lisboa, dedica agora meios e recursos para investigar aquilo que, sendo um lamentável caso de indisciplina e insolência, não deve deixar de ser equacionado à luz da relativa gravidade do incidente.

Mas o coro de apoio ao anúncio feito por Pinto Monteiro não se fez esperar. Afinal a “turba” de “canalhas” tem que ser posta na ordem e os professores não têm meios para o fazer. A sério? Será que quem anda há uma semana a proferir afirmações destas, que passam por uma verdade incontestável e inquestionável, alguma vez perdeu dois segundos para ler o que é que diz o estatuto do aluno em vigor? Se não, aqui está:

Artigo 27.º (Medidas disciplinares sancionatórias)

a) A repreensão;
b) A repreensão registada;
c) A suspensão da escola até cinco dias úteis;
d) A suspensão da escola de 6 a 10 dias úteis;
e) A expulsão da escola


Advertência, Suspensão, ou expulsão com decorrente perda do ano lectivo. O que é que querem mais? Colocar uma míuda malcriada no pelourinho e, de permeio, fazer um retrato de toda uma geração a partir de um caso que, podendo não ser isolado, será sempre ultra-minoritário? Quer me parecer que há por aí muito boa gente que "anda nisto" apenas para provar que esta é que é mesmo a geração rasca.
25
Mar08

A cartilha

Pedro Sales
Em vários artigos na blogosfera e imprensa, a direita liberal foi rápida a aproveitar o debate sobre a crise de autoridade dos professores para defender a sua já conhecida agenda para a educação. João Miranda ou José Manuel Fernandes (sem link) são apenas dois dos nomes que nos garantem que a solução para repor a autoridade e estancar a degradação da imagem dos docentes passa por abdicarmos de um sistema de ensino centralizado, responsabilizar as escolas pela contratação dos professores, ou caminhar para a liberdade de educação - vulgo cheque-ensino. Um problema apenas. As suas propostas - boas ou más, não interessa agora para o caso – não têm nada a ver com o assunto em apreço.
 
Senão, vejamos. O país europeu que mais se associa a esse modelo é a Inglaterra, onde não existe nenhuma limitação geográfica a condicionar a escolha da escola e existem rankings para todos os resultados dos estabelecimentos de ensino. As escolas dispõem de uma vasta autonomia que lhes permite flexibilizar uma parte do currículo e são dirigidas por um director com poderes reforçados (nomeadamente de contratação de docentes). E qual é o resultado que essa política tem sobre a imagem e autoridade docentes? Nenhum. Zero. Há muito que os alunos recorrem ao "cyber-bullying", utilizando o Youtube ou foruns da internet para humilhar e pressionar os professores.De resto, a violência nas escolas é um tema de aceso debate politico e mediático vai para mais de uma década. Já agora, e só para situarmos os planos, a discussão do momento em Inglaterra não são os telemóveis na escola, são os 25% de professores que já encontraram os seus alunos na posse de uma arma na escola.

É positivo quando se apresentam propostas, mas convém é que elas tenham alguma coisa a ver com o tema em debate e não sejam apenas mais uma oportunidade para debitar a cartilha do costume. É que pode ficar a ideia que nem é por má vontade, mas apenas por não se conhecer mais nenhuma.
21
Mar08

O grau zero do oportunismo

Pedro Sales
CDS-PP quer ouvir Governo sobre caso de violência na escola Carolina Michaelis. Já era de esperar que, mais dia menos dia, o PP viesse demonstrar até que ponto é possível descer no aproveitamento demagógico de situações como estas. Quererá o PP fazer-nos crer que o primeiro-ministro é o responsável pelos telemóveis que entram nas salas de aula (apesar de serem proibidos), a ministra tem que responder pelos sms que os petizes enviam uns aos outros e o Presidente da República tem que "dar a cara" de cada vez que um aluno agride um professor? Mas o melhor é mesmo a "justificação" para o requerimento. É que o PP apresentou um projecto de lei, que foi rejeitado pelo Parlamento, onde se defendia a criação de um Observatório Escolar. Ora aí está. Tivesse esse Observatório sido criado e nunca, mas nunca, a aluna do 9.ª C da Carolina Micahelis teria tido a coragem de fazer o que fez à professora... O oportunismo devia ter limites.
 
PS: Na desenfreada fúria com que pretende ouvir tudo e todos na Assembleia da República, o PP podia aproveitar e exigir audições sobre os casos dos sobreiros, casino, fotocópias ou submarinos, temas esses de claro interesse público mas que parecem arredios da agenda do PP. Vá-se lá saber porquê.

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

ZERO DE CONDUTA

Filipe Calvão

José Neves

Pedro Sales

Vasco Carvalho


zeroconduta [a] gmail.com

Arquivo

  1. 2008
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2007
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D