O governo francês assinou, na passada sexta-feira, um acordo com a indústria de produção e distribuição cultural e os operadores de telecomunicações para garantir que os cidadãos que sejam apanhados a piratear filmes e música percam o acesso à internet. (via
Arrastão) Nicolas Sarkozy chamou ao acordo um "decisivo momento para o futuro de uma Internet civilizada", o que, por si, já faz temer o pior. Olhando para a proposta, cedo se percebe que
o gigantismo que permite a monitorização de todo o tráfego na net é um sistema ineficaz para combater a pirataria, uma lamentável violação da privacidade da informação que apenas aumentará os custos do acesso à net. Tudo para nos proteger, claro.
Na base do acordo está um novo sistema em que os operadores de comunicações passam a monitorar todo o tráfego que circula na rede, instalando um
sistema que vigia a autenticidade dos conteúdos transferidos. A enormidade da tarefa tem custos. Que não serão pagos pela indústria, claro está, mas não deixarão de aparecer nas facturas dos clientes. Depois é inútil para travar a pirataria. A primeira coisa que os sites ou programas para transferência de ficheiros vão fazer é arranjar um sistema de encriptação dos dados, tornando inútil a sua vigilância e quase impossível detectar conteúdos pirateados. Restam-lhe os legais, claro, e é só esperar pelas reclamações dos clientes quando começarem a encontrar o acesso à net barrado porque os seus filmes legais foram apanhados na rede. Apesar do acordo estipular o fim das restrições digitais instaladas nas cópias de música digital, uma reclamação há muito defendida pelas associações de consumidores, estas foram rápidas a perceber o que está em causa com esta “internet civilizada”: é um acordo
“potencialmente destruidor da liberdade, contra a economia e que vai contra o historial da era digital”.
Depois do estrondoso escândalo do governo britânico ter perdido os dados de 25 milhões de contribuintes, seria de esperar alguma contenção na forma como as autoridades pretendem tratar e concentrar a informação dos cidadãos. Mas não, o estado policial exige cada vez de maiores quantidades de informação e quase tudo o que fazemos, de uma forma ou de outra, passa pela net. Façamos um pequeno exercício e imaginemos que Portugal adopta um sistema similar. Alguém no seu perfeito estado de sanidade mental confia na Portugal Telecom, a mesma empresa que não sabe filtrar um ficheiro Excel e que envia para o MP o registo das chamadas telefónicas das principais figuras do Estado, para vasculhar a informação que circula na net? Eu, por mim, sei bem a resposta.
Não só o problema da indústria musical não está na pirataria, como a solução não é a vigilância e repressão de tudo o que circula na rede. É a porcaria dos "estrelas" musicais que nos querem impingir que estão erradas: são infantis e de má qualidade. Ponto. (ver "
a indústria mais estúpida do mundo") As vendas estão estagnadas, o modelo de negócio é velho de décadas e as grandes empresas em vez de procurar reagir apenas se esforçam em reprimir para proteger a galinha dos ovos de ouro. Até porque, como vários estudos demonstram, não há nenhuma ligação entre pirataria e declínio nas vendas:
quem recorre à pirataria até compra mais música. Ir buscar um filme ao P2P não significa que não se compre o filme. Muitas vezes é apenas o reflexo do estúpido intervalo entre a distribuição nos EUA e Europa, vendo primeiro e comprando depois. O resto é apenas o pretexto para o Estado controlar mais e melhor a informação que produzimos com o argumento do costume que é para nos defender de nós próprios.