Para além de serem conhecidos na Polónia, o que é que Cavaco Silva e o BCP têm em comum? Ambos descem à mesma velocidade. O gráfico é elucidativo. Nos últimos cinco meses, Cavaco Silva passou de uma taxa de aprovação de 51 pontos para 33,4%. Nem as férias de Verão valeram ao Presidente. Com a desastrada comunicação sobre os Açores e ao veto à lei do divórcio, foram mais 5 pontos que se foram. E isto apesar do abnegado esforço dos cavacologistas, especialistas em vislumbrar o dedo do Presidente da República em todas as hesitações e recuos do Governo. Pelo andar da carruagem, e apesar de ainda estarmos a quase 3 anos das presidenciais, não falta muito para começar uma nova narrativa. Será Cavaco Silva o primeiro Presidente da República a não ser reeleito depois do 25 de Abril? Poucos se têm esforçado mais do que o próprio nessa meritória tarefa.
É duvidoso que o presidente da República alguma vez tenha lido a nova lei do divórcio antes de a devolver à Assembleia da República. Pelo menos a acreditar na sua mensagem, onde parece estar a falar de uma qualquer outra lei que não aquela que se conhece. Por três vezes se refere que o novo regime possibilita o divórcio unilateral. Ora, mesmo nas raríssimos casos em que a nova lei prevê o divórcio a pedido de um dos membros do casal, ele nunca é unilateral e tem sempre que passar por um juiz. O que o novo regime acaba é com o divórcio litigioso, terminando com a necessidade de apurar a culpa.
É esta novidade que preocupa Cavaco Silva, dizendo que assim se está a colocar em causa "a parte mais fraca". Qual? A mulher, diz o P.R., apresentando como exemplo as vítimas de agressão doméstica. É possível que ainda não tenha reparado - até porque é do conhecimento público que não dedica mais do que cinco minutos à leitura da imprensa -, mas não é através da “alegação da culpa do outro cônjuge” no processo de divórcio que se defende o "poder negocial" das vítimas. A violência doméstica é crime. E público.
O Presidente não gosta, como bem resume a jornalista Ana Paula Correia, do novo regime do divórcio. As objecções de Cavado Silva não são processuais nem formais. Têm a ver com o conteúdo do diploma. O casamento é para a vida. Nem que seja imposto. O coro da Igreja só torna tudo mais claro.
Portugueses têm mais confiança nas associações ambientais que na Igreja.
Não querendo desanimar os comentadores que garantem a pertinência e importância da comunicação de Cavaco Silva, mas talvez fosse útil colocarem os olhos na queda abrupta da taxa de aprovação do Presidente da República. Desde Maio, Cavaco Silva já desceu 12,8 pontos na sondagem Expresso/SIC. Com uma taxa positiva de 38%, Cavaco está a léguas de Sampaio, que deixou Belém com 55%, e parece saído da Liga dos Últimos quando nos lembramos que Soares andou sempre pelos 70%.
Tudo isto antes de ter interrompido o torpor estival para dramatizar uma comunicação solene a 10 milhões de portugueses sobre um “importante problema” que 10 milhões de portugueses desconheciam e sobre o qual continuam sem perceber o nome, quanto mais o que se passa. O próprio Cavaco Silva, valha a verdade, só parece ter-se apercebido da magna questão quando resolveu falar ao país. Caso contrário, ou teria vetado o Estatuto ou enviado os pontos que sublinhou para serem apreciados pelo Tribunal Constitucional – o que não fez. Rui Ramos está certo que “o Presidente teve razão: e se V. saiu da praia mais cedo para não perder a demissão do Governo e agora está zangado, aprenda”.Pode ser. Mas o mais provável é que, vivendo nós numa democracia, seja Cavaco Silva a aprender a não incomodar o país por uma mão cheia de nada, ainda por cima quando o que incomoda as pessoas é precisamente terem a carteira cada vez mais recheada da mesma forma.
Querem obrigar-me a ouvir a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores quando a quiser dissolver. Se o Tribunal Constitucional não se preocupa com o assunto, vou obrigar os portugueses todos a ouvir-me. Nem pensem em fazer a mesma brincadeira com a Madeira que, só de pensar em ouvir aqueles tipos, sou homem para fazer o mesmo que o James Stewart em Mr. Smith Goes to Washington.
Parece que em Belém desconhecem os comunicados de imprensa ou as audiências com os partidos. Dizer que foi um flop não faz justiça à irrelevância política da declaração. Principalmente depois da dramatização e da expectativa criada pelos próprios assessores de Cavaco Silva.
A forma como a declaração de Cavaco Silva foi anunciada tem tudo para ser um desastre comunicacional, criando expectativas tão altas que o mais certo é voltarem-se contra o Presidente. Depois de um assessor de Cavaco Silva ter garantido ao Público “que só uma razão verdadeiramente importante levaria o Presidente a interromper as suas férias e, sobretudo, a usar a televisão para falar ao país”, é disso mesmo que se está à espera. De uma novidade. E importante. Menos do que isso e será um fracasso. A especulação desenfreada que hoje corre na imprensa e blogosfera é o melhor sinal disso mesmo. Cada um foi antecipando na declaração do PR suas próprias expectativas. Uma receita para o desastre, portanto.
Ora, o mais certo é não haver novidade nenhuma, e tudo se resumir a mais um discurso sobre a confiança nos portugueses e na sua capacidade inata para vencer a crise. Com qualificação, esforço e exigência, ultrapassaremos juntos a difícil conjuntura internacional. Esperança, portanto. Só que Cavaco não é Obama. Onde o último consegue incendiar uma multidão sem dizer nada de concreto, Cavaco nem os seus assessores consegue convencer.
Não há problema. Começará logo depois o trabalho dos especialistas em cavaquês, tentando construir todo um discurso sobre o discurso de Cavaco. Esta é a parte mais engraçada da comunicação política presidencial. Cria uma expectativa desmedida antes e depois. O conteúdo em si mesmo é o menos relevante. Quase acessório. Existe para justificar o barulho e a crença num Cavaco Silva previdente e providencial. Se amanhã as massagens voltarem às praias do Algarve não faltará quem garanta que foi Cavaco Silva. O que é preciso é fé.
Bem sei que a história do presidente providencial, que interrompe as férias preocupado com os superiores problemas da nação, é cativante, mas também não é preciso exagerar. Principalmente quando, para desmentir uma capa, basta consultar a agenda de Cavaco Silva no site da Presidência da República...onde se pode ler que o PR esteve ontem a trabalhar e já tinha uma iniciativa marcada para hoje à noite.
"A dívida de Portugal ao estrangeiro deverá atingir em 2008 os 100% do PIB. Tudo isto são sinais de alarme de uma situação financeira que, na prática, é insustentável". Manuela Ferreira Leite, 30 de Junho de 2008.
Cavaco Silva: endividamento de Portugal pode tornar-se insustentável. 4 de Julho de 2008.
Gráfico retirado do Margens de Erro
No meio da crispação social contra o governo, tem passado despercebida a acentuada e continuada queda da popularidade de Cavaco Silva. Desde que foi à Madeira, louvar as virtudes da democracia insular, Cavaco Silva perdeu 9,4% de apoio entre os inquiridos da Eurosondagem. É verdade que o seu saldo positivo anda pelos 41%, mas este gráfico é mais do que elucidativo sobre a profundidade da erosão da imagem presidencial...e da sua simetria com a do primeiro-ministro. Dois anos depois de ter sido eleito, Cavaco Silva tem muito pior imagem do que Jorge Sampaio no final do seu último mandato, mesmo depois da dissolução da Assembleia da República. Dá que pensar.
depois de Pinto da Costa, Carolina e Vojtyla, quis o Senhor juntar Cavaco, Maria e Grrratzinger.
Aproveitamos a santa ocasião para dar vivas pela raça lusa, abençoada pelos Céus, pobrezinha mas asseadinha.
(Cavaco Silva, fotografia de Paulete Matos)
Quando o país se encontrava bloqueado pelas empresas de camionagem, o Presidente da República preferiu “sublinhar a raça, o dia da raça”. Agora, que a paralisação dos camionistas já é uma memória, Cavaco Silva congratulou-se com o regresso da “ordem pública” e da “legalidade”, declarando-se “satisfeito pelos portugueses poderem novamente viver o seu dia-a-dia com alguma tranquilidade". O “dia da raça” já é passado, claro, até porque Cavaco esclareceu logo que não faz “comentários sobre política interna” no estrangeiro.
Depreende-se, porque acedeu a falar sobre o assunto em Saragoça, que Cavaco Silva considera que a “ordem pública” e a “legalidade” não é matéria de política interna. E que um assunto crucial como a tranquilidade do “dia-a-dia” dos portugueses só o preocupa quando tudo se encontra resolvido. As últimas declarações do Presidente da República aproximam-no cada vez mais das anedotas futebolísticas: prognósticos só no fim do desafio.
Estava eu a ler um post da Fernanda Câncio sobre os estereótipos racistas veiculados por um programa da RTP, quando esbarro com as inacreditáveis declarações de Cavaco Silva sobre a importância de sublinhar "a raça, o dia da raça, o dia de Portugal". A Fernanda tem toda a razão, mas o que é que há a dizer quanto é o mais alto representante da República que veicula a pior imagética do anterior regime, insistindo na existência de um alegado atributo rácico comum à cidadania nacional que merece ser exaltado na sua superioridade? Já sei que não vai faltar quem diga que tudo não passa de uma gaffe e que não passa da aversão a Cavaco Silva da "malta" do políticamente correcto. Pois sim, mas basta reparar na despreocupação com que Cavaco Silva continuou o seu caminho para perceber a naturalidade com que o próprio encarou as suas declarações. E esse é que é o principal problema.
Pegando no estudo que citou no seu discurso no 25 de Abril, o Presidente da República dedicou o dia de hoje a discutir o alheamento dos jovens da política. Reduzindo a política ao sistema partidário e à confiança na eficácia do sistema eleitoral, a leitura transviada e manifestamente apressada que Cavaco Silva fez do inquérito levou a imprensa e comentadores darem como certo o excepcional alheamento dos jovens. Mas essa é uma leitura simplista e que não encontra correspondência nos dados do inquérito. O problema da participação não é dos jovens. É de toda a população. De resto, os baixíssimos níveis de participação são um dos indicadores mais estáveis e constantes em todos os grupos etários.
Os jovens parecem encontrar uma reduzida eficácia no voto. Isso é verdade e até compreensível, pelas razões aqui levantadas pelo Daniel Oliveira. Mas convém não esquecer que, apesar de serem quem menos oportunidades teve para participar em qualquer actividade política, “os índices de participação social dos jovens são mais elevados” e demonstram-se mais confiantes na melhoria do funcionamento da democracia. Vale a pena destacar mais duas citações do estudo:
Da mesma forma, o recurso a modalidades de participação “não convencionais” − colaborar com organizações ou associações, chamar a atenção dos meios de comunicação ou participar em manifestações, inclusivamente ilegais − tende a ser visto mais eficaz pelos jovens do que pelos mais velhos. Contudo, o mesmo padrão não se detecta no que respeita a outras modalidades de política dita “convencional” − colaborar com partidos ou contactar políticos − onde também são os mais jovens que, tendencialmente, atribuem mais eficácia a essas acções. Por outras palavras, à excepção do voto, os jovens tendem a ver todas as formas de participação política como mais eficazes do que a restante população activa. (p.30)
Os jovens com menos de 18 anos mostram-se também particularmente indisponíveis, em comparação com o resto da população, para, futuramente, assistirem a comícios partidários e outras manifestações, assim como a estabelecer contactos com políticos ou funcionários. Mesmo assim, é interessante notar como, apesar do baixo nível de integração política e económica deste contingente, a sua indisponibilidade para participar é, em quase todos os casos, igual ou inferior ao escalão etário dos mais velhos. (p. 33)
PS: A exclusão pela presidência dos jovens do Bloco de Esquerda da reunião de hoje resume, de forma exemplar, a forma redutora como Cavaco Silva entende a participação política e democrática. Num encontro marcado para discutir as formas de participação política dos jovens, o Presidente da República entendeu por conveniente definir à partida quais são as formas de organização aceitáveis e as que são dispensáveis. Sintomático.