Uma conhecida anedota soviética contava que, quando Gorbachev convidou Reagan para visitar o seu país, o recebeu com a mais faustosa recepção vista em Moscovo. Impressionado com o luxo e hospitalidade, Reagan perguntou onde tinham os soviéticos ido buscar tanto dinheiro, ao que Gorbachev apontou para a janela e perguntou ao presidente dos EUA se estava a ver o opulência da ponte que se encontrava à sua frente. “Não, não estou a ver ponte nenhuma”, respondeu um estupefacto Reagan. “Pois, aí está, gastámos o dinheiro na sua visita”.
O acordo do Estado com a Lusoponte é semelhante. Quando visitamos a Expo e olhamos para o Tejo só vislumbramos uma ponte onde os portugueses vão pagar três ou quatro. Que o Governo venha agora tentar sossegar os contribuintes, dizendo que a esmagadora maioria do investimento no aeroporto e TGV serão efectuados por consórcios privados seguindo um modelo semelhante ao seguido na ponte Vasco da Gama (
Build, Operate Transfer) deveria ser suficiente para os portugueses começarem a remexer na carteira.
A ponte Vasco da Gama custou 897 milhões de euros, a maioria dos quais suportados por capitais privados. Em contrapartida, a Lusoponte recebeu mais de 550 milhões de subsídios do Estado (fonte, Público de ontem). Ficou com a exclusividade da concessão das pontes no Tejo a sul de Vila Franca de Xira, o prazo de concessão foi dilatado de 28 para 35 anos, e, cereja em cima do bolo, foi-lhe entregue a super lucrativa ponte 25 de Abril - na qual não gastou 1 cêntimo.
O Tribunal de Contas arrassou o acordo, valendo a pena lembrar esta passagem:
"Considerando apenas o envolvimento financeiro do Estado concedente, designadamente a sua comparticipação inicial, as compensações directas e as perdas de receita de IVA e do Fee da manutenção da Ponte 25 de abril, os montantes envolvidos deverem ascender, a preços correntes, a cerca de 217 milhões de contos. Neste contexto, afigura-se bem longe de constituir qualquer ficção sustentar a ideia de que o Estado concedente tem sido o mais importante e decisivo financiador da concessão, sem a explorar.” (página 84 do relatório). E isto foi em 2001...
Como se não fosse suficiente, o Estado prepara-se para renegociar novamente o contrato, atribuindo à Lusoponte a concessão da travessia entre Chelas e Barreiro. O mesmo traçado que, vai para quinze anos, merecia um largo consenso técnico mas que foi chumbado pelo então ministro das Obras Públicas: "Construir uma ponte entre Chelas e o Barreiro é trazer mais confusão para o centro de Lisboa", dizia então Ferreira do Amaral. Agora, o mesmo Ferreira do Amaral, que era contra a ligação Chelas-Barreiro, prepara-se para exigir do Estado o cumprimento do ruinoso acordo que assinou, acrescentando mais um episódio à história de sucesso do consórcio mais sortudo (e com melhores contactos) de Portugal.
Parece que os financiadores do estudo da CIP dizem ter medo das represálias do Estado. O único nome que se conhece é o da Lusoponte. Pobres e mal agradecidos, é o que é. Vivem à custa dos dinheiros públicos que, depois, passam a vida a vilipendiar. O empreendorismo nacional é assim. São todos liberais quando peregrinam até ao Convento do Beato, mas, quando fazem negócios, só se lembram do liberalismo depois do Estado lhes garantir o monopólio e assumir os riscos. O Governo fala agora em 16 000 milhões de euros em obras públicas nos próximos anos. Vai ser um festim. Pago por todos nós. Três ou quatro vezes, que é como se faz negócios no nosso país com o dinheiro dos outros.