Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Zero de Conduta

Zero de Conduta

07
Ago07

Toda a verdade?

Pedro Sales
A Sic Notícias foi pioneira, entre nós, no aproveitamento dos anúncios autopromocionais que vai passando nos intervalos da sua programação. Não sou grande apreciador da maioria, principalmente daquela lógica de mostrar imagens de guerra e de sofrimento, musicadas e estilizadas na pós-produção, como se fossem um clip da MTV. Um dos últimos, e que tem passado insistentemente, chamou-me a atenção por outra razão. Mesmo não o tendo encontrado para o colocar no Zero de Conduta, ele resume-se facilmente. Tudo começa com imagens de Cavaco Silva e de José Sócrates, recusando-se a falar à imprensa ou fugindo da questão que lhes é colocada, interrompidas para passar as seguintes legendas. “Temos um presidente que gere muito bem os seus silêncios; “temos um primeiro-ministro que escolhe muito bem quando fala.” No fim, aparece o logotipo da SIC Noticias e a mensagem final do anúncio: “temos uma televisão que o informa a todas as horas. Cumprimos integralmente o nosso mandato”.

Nada me aproxima politicamente de Sócrates ou Cavaco, mas nem é preciso simpatizar com as personagens para achar este vídeo completamente demagógico e revelador de um certo espírito assumido por alguns jornalistas: a superioridade moral face à classe política. A mensagem é simples, e até vai ao encontro da percepção pública. Os políticos são dissimulados, têm sempre algo a esconder e não contam toda a verdade. Não é isso o que acontece com a televisão que, veja-se lá, até cumpre “integralmente” o seu “mandato”. Ficamos é sem saber que "mandato" é esse, quem é os mandatou e para quê?

A ideia chave do pequeno vídeo é a suposta transparência de uns em detrimento da prática dos políticos - aqui representados pelos detentores dos dois cargos institucionalmente mais relevantes. Claro que ninguém conta toda a verdade (seja lá isso o que for) e a imprensa não foge à regra. Da mesma maneira que os partidos tentam resguardar o que se passa dentro das suas paredes, o mesmo faz a imprensa, a começar pela própria Sic que nunca deu conta dos conflitos internos que levaram à saída sucessiva de Nuno Santos, Rangel ou Margarida Marante. Já para não falar dos jornais. Se há um conflito na redacção do Diário de Notícias, já sabemos que temos que procurar saber o que se passa comprando o Público, se o problema é no Público o melhor é comprar o Diário de Notícias. A imprensa não é mais transparente que a classe política e, em comparação com esta, ainda tem maiores dificuldades em reconhecer quando erra.

Convém também referir a forma como as imagens, nomeadamente as de Sócrates, são descontextualizadas. Numa delas, à entrada do último Congresso do Partido Socialista em Santarém, recusa-se a responder às perguntas dos jornalistas, dizendo que primeiro tem que falar aos congressistas. Nada mais legítimo e natural. Mas claro que isso não conta. Para quem está a ver, o destaque é a forma arrogante e apressada como o primeiro-ministro vira as costas aos jornalistas. Montado como está, e com a legenda e a música que acompanha, está muito mais próximo da manipulação de imagens do que da propagada informação a todas as horas.
03
Ago07

Um bom dia para a democracia

Pedro Sales
Cavaco Silva vetou o Estatuto dos Jornalistas. Fez muito bem. Tratava-se de uma lei imposta pelo Partido Socialista contra a oposição dos jornalistas, empresários do sector e toda a oposição parlamentar. Apesar de não concordar com todos os pressupostos do longo comunicado da presidência - especialmente o que diz respeito ao regime sancionatório imposto aos jornalistas e a ausência de referências aos direitos de autor -, Cavaco Silva não podia estar mais certo nas críticas que faz ao ponto mais lamentável do agora defunto Estatuto: o levantamento do sigilo profissional. A “enunciação dos pressupostos que permitem a obrigatoriedade da revelação das fontes é feita de forma pouco precisa de um ponto de vista técnico-jurídico, recorrendo-se a expressões como “crimes graves” ou “casos graves” (“casos graves de criminalidade organizada”) que são indubitavelmente potenciadoras de incerteza e de insegurança jurídicas". Na mouche. Este ponto punha em causa a confiança das fontes nos jornalistas, condenando, a prazo, o já reduzido jornalismo de investigação que temos entre nós. Um bom dia para a democracia.
02
Ago07

Jornalismo de sarjeta

Pedro Sales
Rupert Murdoch, o dono do maior grupo de comunicação social do mundo, a News Corp, comprou a empresa detentora do Wall Street Journal por 3700 milhões de euros. Rupert Murdoch não é apenas o dono de um imenso império mediático. É um radical de direita que usa os seus órgãos de comunicação ao serviço de uma agressiva agenda política. Apoiante da administração Bush desde o primeiro dia, os seus jornais e televisões estiveram na primeira linha do apoio à guerra do Iraque. A Fox News, como aqui já mostrámos por diversas vezes, é o braço armado desta forma muito peculiar de fazer jornalismo, onde passa por normal ver comentadores a discutirem como o serviço público de saúde fomenta o terrorismo. Agora, com a aquisição do Wall Street Journal, Murdoch ganha aquilo que lhe faltava: um jornal influente que lhe permita disputar a imprensa de referência ao New York Times. O jornalismo tem os dias contados no centenário Journal. Chegou Murdoch e os seus amigos neo-conservadores para abastardar a informação. As consequências globais deste negócio serão imensas, até porque, como hoje recorda Sena Santos no Diário de Notícias, o próximo passo, a internet, é um negócio “planetário e apetecível”.


Deixamos aqui mais um exemplo do “jornalismo” da Fox News, mais uma vez atacando os candidatos presidenciais democratas. Depois de perseguirem Obama porque este fumava, qual foi o crime desta vez? Aceitaram participar na convenção anual do Daily Kos - um dos maiores blogues mundiais, com quase 500 mil leitores diários(!). Usando uma imagem colocado por um leitor não registado nesse site, o comentador da Fox elabora toda uma mirabolante tese sobre o extremismo da blogosfera e como esta tem empurrado o partido democrata para o radicalismo político. Inacreditável. Tudo isto, pelo mesmo idiota que, quando foi a São Francisco, não teve nada mais elegante para afirmar do que "[I]f Al Qaeda comes in here and blows you up, we're not going to do anything about it. ... You want to blow up the Coit Tower? Go ahead".
31
Jul07

Diários de Bagdade

Vasco Carvalho
</embed>
powered by ODEO

Bagdade chega-nos todos os dias, em segmentos editados, censurados e enviesados. O Iraque da televisão é um imenso jogo de guerra, um camuflado de chefias militares americanas entrecortado por caciques que nos falam em Inglês ou em Àrabe.
Lá muito ao longe, entre a poeira das bombas e dos humvees distinguem-se sombras, gente que chora e que sobrevive no caos. Ahmed Abdullah é, por enquanto, um desses sobreviventes. Era escultor em Bagdade. Agora mantém um diário audio.
30
Jul07

PSD, um partido regional

Pedro Sales
Já é um clássico. Não há perfil na imprensa sobre o Bloco ou o PCP que não refira que o primeiro é um partido circunscrito às grandes áreas urbanas e que o segundo se encontra cada vez mais confinado ao Alentejo e à grande Lisboa. Repare-se que, em qualquer dos casos, vivem nessas áreas vários milhões de pessoas.

Curiosamente, depois de se saber que 10 mil dos 30 mil militantes do PSD com as quotas pagas residem na Madeira, ainda não vi ninguém dizer que o maior partido da oposição se transformou num partido regional. A Madeira tem cerca de 250 mil habitantes, representando menos de 2,5% da população do país, mas tem um terço dos cadernos eleitorais de um partido que reclama ter mais de 100 mil militantes. Mas nada disso aparece, num claro sinal de que a imprensa e as colunas de opinião continuam tomadas pela esquerda.
24
Jul07

Polaroids do terceiro mundo

Pedro Sales
Os noticiários televisivos de Verão são um momento útil na formação de qualquer pessoa. Como, aconteça o que acontecer, têm sempre que durar para cima de uma hora, os canais “enchem chouriços” com insistentes directos dos treinos dos “3 grandes”.

Hoje, à hora de almoço, fiquei a saber que Moreira tem uma nova lesão no joelho e que o contracto de Simão pertence na íntegra ao Benfica. Carlos Paredes quer lutar pela titularidade de um Sporting que viu Purovic regressar aos mesmos treinos onde não parece fácil pôr a vista em cima a Izmailov. Enquanto se espera pelos testes médicos de Ernesto Farias, Fucile regressou aos treinos do Porto. No total, mais de 15 minutos, incluindo dois directos. No fim, a apresentadora da Sic explicou o critério jornalístico da coisa: “E assim vai a preparação [dos “3 grandes”]. Já falta menos de um mês para o campeonato, que arranca no próximo dia 18 de Agosto”. E eu que, por momentos, ainda pensei que tinha sido um dia excepcional. Nada disso, amanhã continua.
15
Jul07

E tudo começou com uma mentira

Pedro Sales
Pretendendo conhecer como é que a guerra tem afectado o dia-a-dia dos civis iraquianos, uma equipa de repórteres da “Nation” passou os últimos meses a entrevistar 50 veteranos das tropas americanas. O resultado é um dossier impressionante. Relatos de guerra na primeira pessoa, a desumanização do “outro” só possível quando se encaram todos os civis como potenciais agressores. Absolutamente a não perder. As histórias que raramente lemos, e muito menos vemos, sobre a brutalidade de uma ocupação que começou em nome de uma mentira.
Fotogaleria no Guardian.
10
Jul07

E as companhias de aviação privadas também

Pedro Sales

"A existência de um sistema nacional de saúde promove o terrorismo"
, diz a Fox News, na sequência dos atentados falhados em Inglaterra, perpetrados por médicos a residir nesse país. Quando se junta dois idiotas na Fox News (não lhes quero chamar jornalistas) costuma dar disparate, manipulação e distorção dos factos. Mas, mesmo para o habitual nível rasteiro desta estação de televisão, os cinco minutos que se seguem marcam um novo marco na definição do que uma agenda puramente ideológica consegue fazer ao jornalismo.

Bem sei que, lá como cá, o novo filme de Michael Moore está a deixar a direita nervosa. Mas não era preciso tanto esforço para demonstrar que o homem tem razão quando acusa a indústria farmacêutica, as seguradoras e seus aliados de recorrerem a todas as tácticas para lançar o medo e o pânico nos cidadãos a propósito da existência de um sistema universal de saúde nos EUA. Felizmente, existe a Fox para mostrar como é que a coisa funciona. Jornalismo de sarjeta é isto. Jogar com os medos mais primários das pessoas para conseguir uma vitória política.

Leitura recomendada. Artigo de opinião de Paul Krugman, no New York Times, sobre o assunto. 9 de Julho de 2007.

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

ZERO DE CONDUTA

Filipe Calvão

José Neves

Pedro Sales

Vasco Carvalho


zeroconduta [a] gmail.com

Arquivo

  1. 2008
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2007
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D