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Zero de Conduta

Zero de Conduta

03
Set08

Se não os podes vencer, tenta comovê-los

Pedro Sales

É espantoso como as melhores ideias conseguem passar despercebidas e ausentes do debate público durante tanto tempo. Andam para aí os juízes, magistrados, governo e oposição a discutirem as leis penais e a melhor forma de combater a criminalidade e, afinal, era só perguntar ao presidente da associação de revendedores de combustível como é que se coloca um ponto na onda de assaltos: contando com o bom senso e compaixão dos assaltantes.  Augusto Cymbrom apelou ainda aos assaltantes para que se recordem que «além de prejudicarem a empresa detentora do posto estão a pôr em causa postos de trabalho».

 

A esta hora já centenas de ladrões devem estar a colocar a mão na consciência e, finalmente conscientes da enormidade do seu acto, vão amanhã a correr seguir o conselho do presidente da ANAREC: "deixem de assaltar e vão trabalhar que é melhor." O problema é que, na tentativa de garantir os postos de trabalho, esta recomendação arrisca-se a aumentar em flecha a taxa de desemprego. O crime dá emprego a muito boa gente, como, num raro momento de ironia, lembrou o mais insuspeito dos autores:

“Um filósofo produz ideias, um poeta poemas, um padre sermões, um professor tratados, etc. Um criminoso produz crimes. Se olharmos mais de perto para a relação deste último ramo da produção com a sociedade como um todo, libertar-nos-emos de muitos preconceitos. O criminoso não produz apenas crimes, mas também o direito penal e, por conseguinte, o professor que dá cursos de direito penal e o inevitável tratado, graças ao qual o dito professor lança as suas conferências no mercado geral como uma “mercadoria”. Verifica-se assim um aumento da riqueza nacional, abstracção feita do prazer que – como nos assevera uma testemunha competente, o professor Rocher – o manuscrito do tratado proporciona ao seu autor. Por outro lado, o criminoso produz toda a polícia e a justiça criminal, os esbirros, juízes, carrascos, jurados, etc, e todas estas diferentes ocupações, que constituem outras tantas categorias da divisão social do trabalho, desenvolvem as diferentes capacidades do espírito humano e criam novas necessidades e novas maneiras de as fazer. Foi assim que a tortura deu lugar às mais fecundas invenções mecânicas e ocupou muitos e honestos artesãos na produção dos seus instrumentos. O criminoso produz um efeito ora moral ora trágico, consoante os casos, “servindo” assim os sentimentos morais e estéticos do público. Não se limita a produzir tratado de direito penal e códigos penais, com os seus respectivos legisladores; produz também arte, literatura e até tragédias, como o provam o Schuld de Mullner, Die Rauber de Schiller e mesmo o Édipo [de Sófocles] e o Richard the Third [de Shakespeare]. O criminoso quebra a monotonia e a segurança quotidiana e banais da vida burguesa. Impede a estagnação e suscita aquela tensão e aquela mobilidade inquietas sem as quais o próprio aguilhão da concorrência se embotaria. Estimula assim as forças produtivas. Enquanto o crime elimina uma parte excedentária do mercado de trabalho, diminuindo assim a concorrência entre os operários e, até certo ponto, impedindo que os salários caiam abaixo do mínimo, a luta conta o crime absorve outra parte dessa mesma população. O criminoso desempenha assim o papel de uma dessas “compensações” naturais que conduzem a um adequado nivelamento e abrem vastas perspectivas e profissões “úteis”.  [Karl Marx, “Matériaux pour l´économie”, in Économie II, La Plêiade, Paris, pp. 399-400].

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