22
Jun07
E a etimologia de disparate?
Pedro Sales
O João Távora não concorda com o casamento de pessoas do mesmo sexo. E não concorda porque considera que se trata de uma imposição jacobina que vai contra a ordem natural das coisas. Não faz parte da tradição de família e não faz parte da tradição linguística. "A palavra "casamento" que eu saiba refere-se a "casal". Casal, pela etimologia da palavra significa a união de um homem e uma mulher", diz.
O João Távora, reconheço, tem uma grande vantagem sobre mim que é saber "muito bem o que é uma família". Eu não sei, e não sei porque a família não é um conceito ahistórico e imutável no tempo. Basta pensarmos nas alterações provocadas na vida das famílias pela brutal diminuição da natalidade ou que só muito recentemente é que o afecto passou a determinar o casamento.
Não sei o que é a família tradicional, nem acredito na existência de um modelo de família. Só sei que a minha não tem nada a ver com aquelas que o Sol -numa rubrica sugestivamente intitulada "famílias numerosas" - nos tenta convencer, todas as semanas, da alegria imensa que é viver com uma chusma de filhos numa vivenda de 10 assoalhadas com vista para o rio Tejo, Douro ou Mondego.
Etimologicamente casal remete para um homem e uma mulher, nisso o João Távora tem razão. Mas, e daí? Que razão acrescida é que isso confere a quem se opõe ao casamento de duas pessoas do mesmo sexo? A etimologia estuda apenas a origem das palavras, não a lei eterna sobre o seu significado.
A língua existe para ser alterada e apropriada pelo uso que lhe damos. Os exemplos dessa alteração no português são quase tantos como os "jacobinos" que para aí andam a abastardar a língua e a família. A etimologia de "amante" refere "aquele que ama". Acreditará o João que é essa a utilização recorrente que lhe damos nos nossos dias? E "vilão", alguém o usa contemporaneamente para falar dos habitantes das vilas? E criado, há quanto tempo é que deixou de ser aquele que, não sendo o filho original de uma determinada mulher, por ela era criado como se fosse?
Podíamos estar horas nisto, mas acho que já deu para perceber que a etimologia das palavras pode ser um assunto muito interessante, mas é um conceito muito pouco operativo para tomar decisões sobre o regime jurídico do casamento ou qualquer assunto dos nossos dias.
É que, sendo consequente, e levando a sua linha argumentativa até ao fim, ainda encontraremos o João Távora a defender necessidade do casamento envolver um dote ou o carácter acessório do afecto. Sempre se colocava um ponto final às "confusões e demais relativismos" que os jacobinos teimam em promover.
O João Távora, reconheço, tem uma grande vantagem sobre mim que é saber "muito bem o que é uma família". Eu não sei, e não sei porque a família não é um conceito ahistórico e imutável no tempo. Basta pensarmos nas alterações provocadas na vida das famílias pela brutal diminuição da natalidade ou que só muito recentemente é que o afecto passou a determinar o casamento.
Não sei o que é a família tradicional, nem acredito na existência de um modelo de família. Só sei que a minha não tem nada a ver com aquelas que o Sol -numa rubrica sugestivamente intitulada "famílias numerosas" - nos tenta convencer, todas as semanas, da alegria imensa que é viver com uma chusma de filhos numa vivenda de 10 assoalhadas com vista para o rio Tejo, Douro ou Mondego.
Etimologicamente casal remete para um homem e uma mulher, nisso o João Távora tem razão. Mas, e daí? Que razão acrescida é que isso confere a quem se opõe ao casamento de duas pessoas do mesmo sexo? A etimologia estuda apenas a origem das palavras, não a lei eterna sobre o seu significado.
A língua existe para ser alterada e apropriada pelo uso que lhe damos. Os exemplos dessa alteração no português são quase tantos como os "jacobinos" que para aí andam a abastardar a língua e a família. A etimologia de "amante" refere "aquele que ama". Acreditará o João que é essa a utilização recorrente que lhe damos nos nossos dias? E "vilão", alguém o usa contemporaneamente para falar dos habitantes das vilas? E criado, há quanto tempo é que deixou de ser aquele que, não sendo o filho original de uma determinada mulher, por ela era criado como se fosse?
Podíamos estar horas nisto, mas acho que já deu para perceber que a etimologia das palavras pode ser um assunto muito interessante, mas é um conceito muito pouco operativo para tomar decisões sobre o regime jurídico do casamento ou qualquer assunto dos nossos dias.
É que, sendo consequente, e levando a sua linha argumentativa até ao fim, ainda encontraremos o João Távora a defender necessidade do casamento envolver um dote ou o carácter acessório do afecto. Sempre se colocava um ponto final às "confusões e demais relativismos" que os jacobinos teimam em promover.