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Zero de Conduta

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18
Ago07

A verdade da mentira

Pedro Sales
Sempre me pareceu completamente despropositado o destaque que ganhou a história da licenciatura de José Sócrates. Retrospectivamente, não há como olhar para o que aconteceu na primeira quinzena de Abril como não sendo o resultado da má gestão que o Governo fez do caso. Nunca liguei muito ao assunto, razão pela qual não deixa de ser totalmente irónico que, quatro meses passados, aqui esteja a escrever sobre um episódio absolutamente lateral sobre o que se passou nesses dias. Mas, depois de ver a lamentável reportagem de ontem da SIC - em tudo distinta da que passou à hora do almoço -, e onde só é dada voz ao gabinete do primeiro-ministro, dizendo que tudo o que o governo fez foi “repor a verdade, apagando um conjunto de calúnias”, vale a pena lembrar algumas coisas. Até porque, reparo agora, a tese é repetida hoje pelo JN, que titula que o ”Perfil de Sócrates na Wikipedia foi pirateado”, e onde o seu assessor de imprensa aparece a dizer que foram introduzidas "falsidades, mentiras e calúnias", que já foram retiradas. A "reposição da verdade" foi feita a partir do Governo.

Vale a pena, então, ver algumas das calúnias e falsidades que o governo apagou:

As médias de curso de José Sócrates. Ambas as notas estavam certas. É verdade que 12, que foi a média do curso no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, não é uma nota famosa, mas considerá-la uma calúnia demonstra pouco respeito dos assessores pelo passado académico do primeiro-ministro. Também não me parece muito cordial considerar os 14 valores na Independente uma falsidade. A Universidade Independente tem o valor que tem, mas daí até às suas notas serem uma falsidade...

Foi apagada a referência à Independente ser uma universidade privada. Esta aqui é mesmo estranha, até porque não há registos que o Governo alguma vez tenha pensado em nacionalizar a Universidade Independente. Era, e sempre foi uma instituição privada. Tudo bem, não tem propriamente o prestígio de Oxford, mas não fica nada bem aos funcionários do Governo terem vergonha da faculdade onde andou o PM, ao ponto de considerarem caluniosa a alusão ao seu estatuto jurídico. Preconceito social?

Foi apagada a alusão à “breve” passagem pelo ISEL. Todos temos que convir que não é muito comum um aluno concluir uma licenciatura passando por três instituições diferentes, concluindo, até, os dois últimos anos em estabelecimentos distintos. Mas, parece-me estranho, como o fizeram as fontes do governo à SIC e JN, considerar que é uma calúnia e falsidade lembrar a “briefly” passagem de um ano pelo ISEL. Não fica bem a um funcionário governamental fazer criticas veladas ao percurso académico do primeiro-ministro, mas compreende-se o excesso de zelo. Apesar do percurso ser totalmente legítimo, é capaz de não ser muito do agrado de grande parte dos pais que se têm que esforçar financeiramente para que os seus filhos acabem o curso sem poderem saltitar de instituição em instituição.

A dimensão que isto ganhou só prova que estamos mesmo na silly season, mas, mesmo assim, convém chamar as coisas pelos nomes. Pode haver referências caluniosas que tenham sido apagadas, mas não foram estas que o Vasco referiu. Compreende-se que tenham sido retiradas as alusões à vida privada. Apesar da maioria dos líderes políticos terem, na sua página da wikipedia, essas referências, a esfera privada diz respeito apenas ao próprio e aos que lhe são próximos. Nada a objectar a este respeito e, como o próprio Vasco reconhece, o exemplo de Luís Amado era dispensável e sem assunto.

Mas, curiosamente, as verdadeiras calúnias e falsidades, que o DN dá conta e que estavam na versão portuguesa da wikipedia que nunca para aqui foi chamada (como a data da morte do PM ou a alusão a ser construtor civil), não foram apagadas por alguém a partir de um computador do governo. Não, a preocupação governamental em “repor a verdade” foi cirúrgica e limitou-se a tudo o que tivesse a ver com a Universidade Independente, precisamente nos dias em que o currículo de José Sócrates sofria grande escrutínio mediático. Mas, o que se percebe deste caso, que não é um caso de censura mas de propaganda e contra-informação, é que houve um cuidado desmedido do Governo em apagar todas as referências ao caso Universidade Independente, para que a versão da Wikipedia batesse certo com o discurso oficial do gabinete do Primeiro-ministro, nesses conturbados primeiros dias de Abril.

Mas não pode o próprio alterar o seu perfil na wikipedia, leio em vários sítios? Claro que pode. Por mim até pode dizer que a Independente é a universidade mais prestigiada do país. Mas convinha que o gabinete do PM não reescrevesse o seu passado académico, fazendo-nos passar por tontos dizendo que está apagar falsidades. Começa-se na wikipedia, mas nunca se sabe onde é que esta constante obsessão em retocar o passado do primeiro-ministro nos leva.

ps 1: Compare-se o trabalho do SOL, onde são listadas as alterações e é dada a palavra ao assessor de José Sócrates, com o trabalho jornalístico da SIC onde só aparece a versão do último e nunca se referem as alterações. Sobre isto, não tenho mais nada a dizer e limito-me a recomendar esta excelente resposta, do vocalista dos Los Hermanos, sobre algum jornalismo que se lê e vê todos os dias. (Via Kontratempos)

ps 2: sobre o péssimo hábito da imprensa publicar notícias, que têm por base a blogosfera, sem citar a fonte (TSF) ou fazer um link (mesmo nas versões digitais) para permitir aos leitores lerem por si, sem a mediação jornalística, vale a pena ler este post no Marketing de Busca. Mas, como o demonstra o inacreditável anúncio de um dos maiores jornais brasileiros, o Estadão, alguma imprensa ainda parece ver a blogosfera como uns macaquinhos mentirosos e caluniadores.

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