Bagdade chega-nos todos os dias, em segmentos editados, censurados e enviesados. O Iraque da televisão é um imenso jogo de guerra, um camuflado de chefias militares americanas entrecortado por caciques que nos falam em Inglês ou em Àrabe. Lá muito ao longe, entre a poeira das bombas e dos humvees distinguem-se sombras, gente que chora e que sobrevive no caos. Ahmed Abdullah é, por enquanto, um desses sobreviventes. Era escultor em Bagdade. Agora mantém um diário audio.
Ao fim de 38 anos, o exército britânico termina hoje, à meia-noite, a maior operação militar ininterrupta da sua história. O actual contingente, 5600 soldados, permanecerá na Irlanda do Norte mas passará a responsabilidade pela segurança para as autoridades policiais. Os últimos 10 anos foram marcado por avanços e recuos nas conversações de paz entretanto iniciadas, mas, aqui chegados, é justo realçar dois nomes: Tony Blair e Gerry Adams. O primeiro porque, se não se tivesse envolvido até ao pescoço na mentira da guerra do Iraque e rebaixado ao papel de papagaio europeu de Bush, seria este o seu legado para a história. Gerry Adams porque cedo percebeu que a resolução do conflito teria que ser política e, principalmente, porque disso conseguiu convencer o IRA. O dia de hoje não acaba com as razões do conflito, mas marca um virar de página indispensável para que a política, e apenas ela, continue o seu trabalho.
Um bom pretexto para ver, ou rever, Sunday Bloody Sunday, um filme de 2002, que ganhou os Urso de Prata em Berlim e o prémio do público em Sundance. Filmado como um documentário, segue as últimas horas que antecederam a carnificina que empresta o título ao filme. Comprometido politicamente, o filme não tem a pretensão de ser neutro mas foge aos clichés habituais nos “filmes políticos”. Os seus personagens têm dimensão psicológica, principalmente o líder nacionalista e pacifista que lidera o protesto, Ivan Cooper. As suas hesitações e angústias mostram como o mundo não é a preto e branco, mesmo quando a policia dispara sobre manifestantes pacíficos.
US Airways no espaço aéreo europeu, não à pala da minha mala
O pior de se perder as malas em viagem não está tanto em perdê-las, mas em conseguir recuperá-las. Em menos de 4 meses, é a terceira vez que me perdem as malas -- e nenhuma delas foi com a TAAG. A primeira mala desviada andou a passear por Detroit durante uma semana, cortesia da British Airways. As duas últimas, num espaço de semanas, foram com a US Airways, com sede em Filadélfia (e junto com Newark, a única cidade americana com ligação directa a Lisboa).
Mas a dificuldade em recuperar as malas diz muito do desconforto destas economias volantes (pois, o petroleo, mas tambem um regime de seguranca que vai tornar impossivel o transporte de certa carga por aviao). E porque menos compensações terão que largar quanto menos tiverem que ouvir clientes sem malas, as companhias aéreas decidiram acabar com todas as linhas telefónicas de atendimento ao público da bagagem perdida. Nem um call centerzito na Índia, nada. Um papagaio electrónico que repete o que já está na internet é o melhor que se arranja.
Para conseguir recuperar as malas, o importante, já percebi, é conseguir falar com alguém, passar das máquinas para uma voz que finja compreender o meu apelido. Cada um terá as suas técnicas. Aqui há uns tempos, apanhei o numero de telemovel do tipo que entregava malas reencontradas num bairro de Chicago e parti daí na busca de alguém com quem falar. Desta vez, parti pela linha de reservas internacionais (curiosamente com atendimento americano, ao contrário das chamadas para reservas domésticas, que vão parar a call center no estrangeiro). Para a próxima já sei que existe Get Human, uma espécie de dicionário lonely planet para a matrix.
E assim vai bem, o processo de recuperação. Hoje consegui falar com a Karen e a Felicia. Não me deram o seu numero de telefone, "for security reasons". Mas consegui saber que uma das malas foi encontrada. E horas mais tarde, parece que duas já vêm a caminho. Foram só 4 dias de t-shirts do Walgreens.
Marques Mendes foi à Madeira tentar garantir a sua continuidade à frente do PSD. Apesar dos relatos indicarem que não bebeu na festa do Chão da Lagoa, passou decididamente a fronteira do mau gosto nos encómios ao Rei Momo da Madeira. Chamar a Jardim “o nosso grande líder”, ou dizer que lhe “faltava esta [festa] no currículo”, pode dar muitos votos no populismo desbragado que vão ser as directas laranja, mas compromete, seriamente, a sua legitimidade política como líder do maior partido da oposição.
Mas engraçado, engraçado foi ver como alguns do que justificaram o apoio do lidero do PSD à chantagem de Jardim com a lei do aborto na Madeira, agora tão chocados com os excessos linguísticos de Marques Mendes. Com mais ou menos cervejas e decibéis representam ambas a mesma realidade: o PSD está nas mãos de Jardim, que tem um terço dos votos do Congresso. Assim, na televisão, com o povo aos pulos e Jardim de copo na não, custa mais a digerir a algumas almas mais selectas e sensíveis, mas não se iludam, a substância é a mesma do resto do ano.
Há dois anos e meio - no dia a seguir à vitória de José Sócrates, e quando a imprensa estava invadida por textos de opinião a exigir o regresso dos quadros sérios e competentes à direcção do PSD -, escrevi uma entrada no Barnabé que dizia que "a má moeda é o PSD". Passado este tempo todo, e com pequenas alterações de personagens e situação, continua a resumir o que penso sobre a crise deste partido;
O PSD que Marques Mendes foi ontem abraçar à Madeira é o PSD que existe. Ponto. Não é a Junta de Salvação Nacional, nem, muito menos, a reserva moral de que o país tanto necessita. É o partido que parte para um congresso extraordinário com candidatos à liderança como Luís Filipe Menezes e Marques Mendes. É o partido que tem Miguel Macedo como secretário-geral e cujo líder parlamentar gasta o tempo no parlamento entre a apresentação de projectos para criar o dia do cão ou para saber quanto é que o Governo gasta nos cocktails dos congressos que organiza. É o partido que, à partida para o congresso, tem nas modalidades de pagamento de quotas o tema que divide as águas ideológicas entre as candidaturas.
Mesmo que existissem esses tais míticos quadros sérios e competentes para tomar o PSD em mãos, o que é duvidoso - pois têm o péssimo hábito de só aparecer no momento em que sabem que a vitória já está garantida - seriam sempre derrotados pelos milhares de autarcas ou de Jotas à espera de um emprego. Há muito que o partido é deles. Marques Mendes sabe-o, e é por isso que foi à Madeira abraçar Alberto João Jardim.
Já é um clássico. Não há perfil na imprensa sobre o Bloco ou o PCP que não refira que o primeiro é um partido circunscrito às grandes áreas urbanas e que o segundo se encontra cada vez mais confinado ao Alentejo e à grande Lisboa. Repare-se que, em qualquer dos casos, vivem nessas áreas vários milhões de pessoas.
Curiosamente, depois de se saber que 10 mil dos 30 mil militantes do PSD com as quotas pagas residem na Madeira, ainda não vi ninguém dizer que o maior partido da oposição se transformou num partido regional. A Madeira tem cerca de 250 mil habitantes, representando menos de 2,5% da população do país, mas tem um terço dos cadernos eleitorais de um partido que reclama ter mais de 100 mil militantes. Mas nada disso aparece, num claro sinal de que a imprensa e as colunas de opinião continuam tomadas pela esquerda.
Foi uma escolha conservadora- afinal a firma está entre as 3 maiores sociedades de advogados em Portugal, as tais que o ex-Bastonário Júdice já afirmara merecerem tratamento preferencial por parte do Estado.
O seu fôlego é comparável ao seu compagnon de route, Mário Soares. Compagnon, mas compagnon a sério: Vieira de Almeida esteve envolvido no MASP, foi organizador do famigerado jantar na FIL que empurra Soares a sair da reforma, acabando como mandatário dessa candidatura falhada.
O Ministério da Justiça criou um centro de mediação de conflitos e arbitragem no Second Life. Está certo. Como não consegue resolver os crónicos atrasos do nosso sistema judicial, alguém deve ter dito ao ministro Alberto Costa que talvez fosse melhor alhear-se de vez da realidade e criar uma ilha no jogo da vida virtual. Fica a consolação provinciana de que “somos os primeiros”. Pois, por alguma razão mais ninguém se lembrou de colocar o sistema judicial a regular um jogo de computador...
Aparentemente, ninguém no governo terá reparado no ridículo que é criar uma mediação de conflitos virtual ao mesmo tempo que se deixa, todos os anos, prescrever milhares de processos e outros milhares se arrastam por tempo indeterminado. Processos que custam dinheiro a sério, e não trocos virtuais. Que contam na vida das pessoas e na economia do país.
Este gesto, aparentemente insignificante, é uma das melhores metáforas sobre o “moderno” estilo de governação de José Sócrates. Mediar o quê e para quê? Não importa, o que conta é a forma e a forma é como aparece nas notícias. Dá a ideia de que somos modernos e tratamos a tecnologia por tu. Depois, se não houver ninguém para encher as salas virtuais, não há problema: contrata-se uma agencia de casting virtual. Se não existir, melhor. Ainda vamos a tempo de criar uma e dizermos que, mais uma vez, estamos no pelotão da frente.
ps: Sobre os verdadeiros números do Second Life, vale a pena ler este artigo daWired.
"Ainda no outro dia encontrei o Bin Laden a vender uns discos na Feira do Relógio"
"A pirataria está a financiar o terrorismo", Eduardo Simões, Director Geral da Associação Fonográfica Portuguesa, nas Alegações Finais do Diário de Notícias, justificando o encerramento, pela PJ e ASAE, de vários sites de partilha de ficheiros na internet.
"Somos gente pura: os mais novos não sabem o que é a promiscuidade, a minha rapariga se vir a palavra escrita deve achá-la muito comprida e custosa de soletrar: pro-mis-cu-i-da-de (pelo método João de Deus, em tipos normandos e cinzentos às risquinhas, até faz mal à vista!). A promiscuidade: eu gosto. Porque me cheira a calor humano, me sobe em gosto de carne à boca, rne penetra e tranquiliza, me lembra - e por que não ?! - coisas muito importantes (para mim, libertino se o permitem) como mamas, barrigas, pele, virilhas, axilas, umbigos como conchas, orelhas e seu tenro trincar, suor, óleos do corpo, trepidações de bicharada. E a confusão dos corpos, quando se devoram presos pelos sexos e as bocas. E as mãos, que agarram e as pernas, que enlaçam. Máquinas que nós somos, máquinas quase perfeitas a bem dizer maravilhosas, inda que frágeis, como não admirar as nossas peças, molas e válvulas e veias, todas elas animadas por um sopro que lhes parece alheio mas sai do seu próprio movimento, do arfar, dos uivos do animal, do desespero do anjo caído. E a par disso que é o trivial, que é o que cada um, tosco ou aleijado tem para dar e trocar, fatalidades, na sua mísera ou portentosa condição de bicho, a beleza, que é a surpresa, a harmonia das formas, que é a excepção e a inteligência, que é a reminiscência dos deuses."
O que é que acontece quando se junta a poderosa direita cristã com o lobby israelita nos EUA? O resultado pode ser visto nesta videoreportagem que o Huffington Post fez no encontro anual dos Christians United for Israel. A sua agenda? Um ataque unilateral ao Irão e a expansão territorial de Israel. O seu discurso? Jesus regressará a Jerusalém depois da batalha do Armagedão e limpará a terra da presença do diabo. No final, todos os "infiéis" terão que se converter ao cristianismo ou sofrer eternamente no inferno.
O autor diz que nunca assistiu a um espectáculo tão "extremista, ultrajante e bizarro". Não está a exagerar. Podemos dizer que se trata de uma ínfima minoria dos cristão americanos e dos apoiantes de Israel, o que é certamente verdade. Mas é aí que reside o interesse desta reportagem. Como é que uma ínfima minoria de lunáticos consegue ter tão boas relações com a administração Bush e garantir a presença, nos seus eventos, do ex-líder da maioria republicana no Congresso, Tom Delay, ou do influente senador Joe Liberman? Os mistérios da politica externa da administração Bush passam bem mais pelos corredores e salões de hotel onde se realizam estes obscuros encontros do que, à primeira vista, se possa pensar. Mais uma razão para ver este vídeo.
José Sócrates não podia ter sido mais claro sobre a recusa do Governo Regional da Madeira em aplicar a nova lei do aborto. Ao contrário do Presidente da República, que se pôs fora da questão remetendo-a para os tribunais, o primeiro-ministro não deixou espaço à ambiguidade: “Não admito outro cenário que não seja o de aplicar a lei também na Região Autónoma da Madeira”.As palavras que escolheu conferem-lhe, agora, uma pesada responsabilidade. Não pode ser desautorizado por Jardim. Sócrates tem a vantagem do seu partido já pouco ter a perder na Madeira e de, no passado, já ter dado provas de que não se importa de sacrificar o PS local.
(ilustração de Nuno Saraiva)
As críticas que fez ao “silêncio ensurdecedor” dos líderes dos partidos da direita não podia ter sido mais certeira. Não deixa de ser curioso, aliás, ver PSD e PP, sempre lestos a defender a autoridade do estado, neste “silêncio ensurdecedor” sobre o abandalhamento progressivo que vem da Madeira. O mesmo Paulo Portas que mobilizou uma fragata para proteger “a aplicação da Lei portuguesa” em águas extra-territoriais não tem nada a dizer sobre o incumprimento da lei numa Região Autónoma. Marques Mendes, esse, já só se preocupa em angariar uns votos para as directas, nem que para isso tenha que sacrificar a sua credibilidade política, aceitando participar, pela primeira vez, na festa anual do PSD Madeira.
10^20, é o número de possíveis configurações de um tabuleiro de damas. E claro, sendo um jogo finito basta resolver de trás para a frente, anotando a melhor estratégia para a possível história de cada jogo. É portanto possível resolver o jogo de forma a nunca o perder.
Foi isso que provou Jonathan Schaeffer (também aqui). Depois de anos e anos em que os seus 200 computadores jogaram todos os possíveis jogos de damas, a equipa de Schaeffer publicou agora um algoritmo que não pode ser derrotado.
E aí reside a ironia: na quimera da invencibilidade, a espécie conseguiu perceber a forma de sair sempre, mas sempre, derrotada.
Na entrevista de ontem à SIC, José Sócrates jogou várias vezes com as palavras para se referir às suas promessas eleitorais, num equilibrismo perigoso e, aqui e ali, pouco sério.
O emprego foi o caso mais evidente. Questionado sobre a promessa de recuperar 150 mil postos de emprego, Sócrates desmentiu que se tratasse de uma promessa. Era uma "meta". Mesmo assim lá foi dizendo que os 41 mil empregos criados podem não chegar para se cumprir a “meta” de “criar 150000 novos postos de trabalho”. Dois pontos. Em primeiro lugar não existia nenhuma “meta”, mas um objectivo apresentado aos eleitores: “Portugal deve ter como objectivo recuperar, nos próximos quatro anos, os cerca de 150.000 postos de trabalho perdidos na última legislatura”, programa do Partido Socialista.
Em segundo lugar, o objectivo era “recuperar” 150 mil postos de trabalho” e não “criar” novos empregos. Parece um pormenor, mas é muito diferente. “Recuperar emprego” cria a ideia de que se vai diminuir a taxa de desemprego, até ao valor anterior à ultima legislatura, já criar postos de trabalho é independente da taxa de desemprego e não fornece nenhum sinal sobre a evolução do desemprego e da economia.
A questão é esta. Quando tomou posse, no fim do primeiro trimestre de 2005, existiam 412 mil desempregados, dois anos passados, no mesmo período, existem 470 mil. Percebe-se este “zelo semântico inconstante”, como refere o Paulo Gorjão, para escamotear a realidade, mas não deixa de ser pouco sério misturar dados absolutos e relativos como fez ontem Sócrates conforme mais lhe convinha.
O segundo caso prende-se com a revisão do código laboral. Confrontado com o desequilíbrio contra os trabalhadores das propostas da Comissão do Livro Branco, o primeiro-ministro chutou para canto, afirmando que estas apenas responsabilizam a Comissão. Pelo meio esqueceu-se de dizer que essas medidas foram postas em cima da mesa pelo próprio ministro Vieira da Silva e que foram as únicas apresentadas pelo governo aos parceiros sociais. Só no final da ronda negocial é que o governo dará a conhecer as suas propostas, disse. Até lá nada.
Por último, o referendo ao Tratado Europeu. A cada dia que passa, fica mais perceptível que esta é mesmo uma promessa eleitoral para cair. No que parecia um número dos Gato Fedorento, o primeiro-ministro reconheceu que, existindo um compromisso para o referendar o Tratado Constitucional, não quer dizer que este se mantenha com o novo Tratado. Apesar de reconhecer que os dois documentos são quase iguais, o último já pode dispensar o referendo. Confusos? Não se preocupem, era mesmo esse o objectivo.
Vinte e cinco anos depois, ainda faz sentido recordar a resposta de Natália Correia ao deputado do CDS, João Morgado, que, no primeiro debate sobre o aborto na Assembleia da República, disse que "o acto sexual é para fazer filhos".
Já que o coito - diz Morgado - tem como fim cristalino, preciso e imaculado fazer menina ou menino; e cada vez que o varão sexual petisco manduca, temos na procriação prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento, lógica é a conclusão de que o viril instrumento só usou - parca ração! - uma vez. E se a função faz o orgão - diz o ditado - consumada essa excepção, ficou capado o Morgado.
Pressionada pela opinião pública, não restava outra posição à ministra da Educação que não fosse arquivar o processo a Fernando Charrua. Nada disso é extraordinário. Espantoso é que, quando o governo pretende pôr um ponto final nesta história, permaneça a incómoda sensação de que nada é genuíno e que tudo é feito a contragosto.
O despacho da ministra é elucidativo sobre esse estado de espírito. Em primeiro lugar porque, apesar de arquivar o processo, dá provimento a todas as acusações feitas pela DREN a Fernando Charrua. Tendo este comentário ocorrido no gabinete do professor, perante um colega, não deixa de ser extraordinário ver uma ministra, em pleno século XXI, assinar um despacho cujas conclusões se baseiam na delação de uma conversa privada.
Pouco importa o método, o que interessa a Maria Lourdes Rodrigues é que a bufaria instalada na administração pública permitiu desmentir “frontalmente certas versões que circularam na comunicação social», nomeadamente quanto “ao conteúdo alegadamente inócuo ou meramente jocoso das afirmações produzidas”.
Mas a machadada final é perceber que, apesar de garantir o direito de opinião ao professor, Charrua não vai ser reinserido na DREN, de onde tinha sido expulso na sequência do processo que lhe foi movido e que, apesar da desautorização de Margarida Moreira, esta continua hoje no seu cargo como se nada se tivesse passado.
Como o descaramento não parece ter limites para os lados da 5 de Outubro, uma fonte do ministério resume a operação de marketing ontem tentada pelo governo: “não há qualquer sanção apesar de se ter provado o insulto ao primeiro-ministro”. Como qualquer poder que se quer absoluto, o rei sol julga-se sempre magnânimo.
A Ministra da Educação, apesar de dar por provadas todas as acusações contra o professor Fernando Charrua, incluindo um insulto ao primeiro-ministro, resolveu arquivar o processo, considerando que o comentário do professor se enquadra no seu direito à opinião.
Os noticiários televisivos de Verão são um momento útil na formação de qualquer pessoa. Como, aconteça o que acontecer, têm sempre que durar para cima de uma hora, os canais “enchem chouriços” com insistentes directos dos treinos dos “3 grandes”.
Hoje, à hora de almoço, fiquei a saber que Moreira tem uma nova lesão no joelho e que o contracto de Simão pertence na íntegra ao Benfica. Carlos Paredes quer lutar pela titularidade de um Sporting que viu Purovic regressar aos mesmos treinos onde não parece fácil pôr a vista em cima a Izmailov. Enquanto se espera pelos testes médicos de Ernesto Farias, Fucile regressou aos treinos do Porto. No total, mais de 15 minutos, incluindo dois directos. No fim, a apresentadora da Sic explicou o critério jornalístico da coisa: “E assim vai a preparação [dos “3 grandes”]. Já falta menos de um mês para o campeonato, que arranca no próximo dia 18 de Agosto”. E eu que, por momentos, ainda pensei que tinha sido um dia excepcional. Nada disso, amanhã continua.
Esta notícia só apanhou de surpresa quem gosta de ser enganado. Andaram anos a vender-nos a ideia de que a liberalização dos mercados só trazia benefícios para os consumidores. Ia ser tudo mais barato. Em teoria até está correcto. O problema é que o nosso país é pouco dado a essas modernices. Acabámos com o monopólio do Estado em vários sectores para abrimos caminho a oligopólios privados - o que está longe de apresentar melhores resultados para os consumidores e conduzir a um mercado mais aberto. Na maioria dos casos, quando há concorrência, os preços são fixados entre 3 ou 4 operadores.
Embora esteja longe de concordar consigo, tenho que reconhecer que é coerente. Para si, tanto as caricaturas a Maomé como à família real espanhola são um abuso da liberdade de expressão. Apesar de as achar, a ambas, de nítido mau gosto, não podia estar em maior desacordo. A liberdade de expressão existe para que, em dado momento, alguém tenha o direito de passar as marcas do que se costuma designar por bom senso e publicar coisas que a maioria considera de nítido mau gosto. Sem se preocupar com as consequências geopolíticas ou religiosas do que escreve ou diz.
Da mesma forma que “a paz e a sopa na mesa não é um dado adquirido”, se nos pomos a proibir e a impor respeitinho para a publicação de certos temas já sabemos como é que isto tenderá a acabar. Numa sociedade menos livre e menos plural. Hoje é Maomé, a família real ou a pornografia, amanhã são opiniões políticas e as conversas que temos com o vizinho. O preço para que isso não aconteça é aceitarmos e convivermos com candidaturas como as do PNR, e a sua xenofobia gratuita, ou caricaturas brejeiras sobre matérias que nos indignam.
Adenda: Reparo, agora, que o Luís Naves também respondeu à minha entrada, reiterando, mais coisa menos coisa, o que diz o João Távora. Acrescenta, no entanto, dois argumentos que merecem resposta. O Luís Naves entende que a liberdade de expressão não é um valor absoluto. Eu, por mim, defendo que, por muito abjecta e indigna que seja uma mensagem, nada deve ser feito para a censurar. Nunca. É esse o preço da liberdade de expressão. Se não custasse nada era tudo mais simples, mas, quando falamos de liberdade, não há decisões assépticas. Repare, aliás, que é a censura que lhe dá visibilidade e notoriedade - como este último caso, que se tornou uma discussão mundial, é bom exemplo.
O Luís Naves pergunta, depois, como é que eu acho que se sentiria uma pessoa que é assim enxovalhada? Posso dizer-lhe que imagino bastante bem. Uma pessoa com quem convivo diariamente, e que muito estimo pessoalmente, viu uma recente edição do Inimigo Público dizer que a sua cara é tão feia que os homens preferem fugir da sua presença para beijar um cinzeiro cheio de cinzas. Cito de memoria, mas a ideia era essa. É um insulto gratuito, sem piada nenhuma, que deita abaixo qualquer um. E daí? Embargamos, judicialmente, cada publicação do Inimigo Público que passe das marcas do bom gosto? Não me parece. Claro que não gostamos de ser enxovalhados. Ninguém gosta. E, já reparou, a propósito, como se sentirá o primeiro-ministro, com tudo o que tem sido publicado e desenhado a propósito do seu percurso académico? Não publicamos? Pois é? Quando abrimos uma janelinha não faltam passarinhos a quererem entrar pela frincha.
Uma semana depois, Cavaco Silva lá disse o que pensava sobre a ameaça de Alberto João Jardim não aplicar a lei do aborto na Madeira. Quando se julgava que, enquanto responsável máximo pelo garante da constituição, teria qualquer coisa a dizer por este evidente atropelo à letra da lei, o Presidente da República entende que não tem nada a ver com o assunto. “Quando a legislação não é aplicada, os cidadãos podem recorrer a instâncias próprias, ao sistema de justiça”, disse.
Sigamos, então, o raciocínio de Cavaco. Uma mulher madeirense pretende abortar. Desloca-se a um hospital onde, cumprindo ordens de Alberto João Jardim, lhe barram a pretensão a um direito consagrado na lei. Ouviu o Presidente nas rádios e televisões. Protesta e recorre às instâncias judiciais. Quando o seu filho está na universidade, o tribunal dá-lhe razão.
Vai uma grande indignação no Corta-Fitas com o sequestro, por ordem judicial, da edição de uma revista satírica espanhola porque esta decidiu fazer humor com a família real do país vizinho. Não é que o João Távora e o Luís Naves estejam muito preocupados com a lamentável diminuição da liberdade de expressão. Não, o que os une nesta indignação comum é que andam para aí uns “opinadores [que] não pensam na liberdade do príncipe” e que parecem defender a "infame" caricatura.
Sucede que a liberdade de expressão não foi feita para defender os comentários anódinos e inconsequentes, nem para garantir que, aqueles que pensam o mesmo que nós ou que a maioria da inteligentzia, tenham o direito de o fazer. Acredito que não gostem da brincadeira, mas também não é suposto que tenham que gostar de tudo o que é publicado e editado. A liberdade de expressão é isso mesmo. Garantir que, por muito idiota ou obsceno que seja, todos têm a liberdade de o dizer, escrever ou caricaturizar.
O João Távora, quem sabe a ver outra vez o lobby gay e jacobino por detrás desta sórdida orquestração contra a monarquia, diz que já está conformado com as “mais impunes e gratuitas provocações à minha fé e outras causas desalinhadas”. Todos nós nos indignamos com a terrível opressão vivida no nosso país pelos crentes católicos e condoemos com a liberdade ameaçada do príncipe Filipe. Ainda se fosse para gozar com o Maomé, esse infiel, que teve uns adoradores seus a conspurcarem o território da sagrada família durante uns séculos, ainda vá que não vá. Agora, com a monarquia espanhola, todo o respeitinho é pouco. O pior, nestes casos, é julgarmos que só há fundamentalistas do outro lado do mediterrâneo.