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Zero de Conduta

Zero de Conduta

08
Ago08

Os jogos da (falta de) vergonha

Pedro Sales

Numa declaração sintomática sobre o clima político que rodeia os Jogos Olímpicos, os quatro ciclistas norte-americanos que chegaram a Pequim com uma máscara anti-poluição pediram desculpa pelo seu acto. Não queriam embaraçar ninguém, estavam apenas preocupados com os  efeitos da poluição. Compreende-se. A dois dias do início dos Jogos, a qualidade do ar em Pequim registava um valor de 88, a meros 12 pontos dos valores que as autoridades chinesas consideram perigosos para a saúde. Mas isso pouco importa quando valores mais altos se levantam. Segundo o responsável pela delegação norte-americana, “não queremos ir a casa dos outros e embaraçá-los, e acho que foi isso que eles fizeram”. Como o respeitinho é muito bonito, sempre foi adiantando que os desejos dos atletas têm que levar em conta a forma como as suas atitudes são percepcionadas pelas autoridades locais. Pois...costuma ser assim nas ditaduras.

08
Ago08

Os jogos da (falta de) vergonha II

Pedro Sales

A sala de imprensa dos Jogos Olímpicos. É aqui que parecem começar e acabar as preocupações do Comité Olímpico Internacional com os limites à liberdade de expressão na China. Fora isso não se passa nada. Não quero menorizar a importância das condições de trabalho dos correspondentes estrangeiros que se encontram em Pequim, mas talvez tivesse tido sentido tamanha preocupação e desvelo há uns anos atrás. Em 2001, mais concretamente, quando o mesmo COI não se importou em atribuir a organização dos J.O. a uma ditadura que não reconhece o direito de associação politica, liberdade sindical, religiosa, de expressão e liberdade de imprensa para todos os jornalistas que não estão a fazer a cobertura dos Jogos. Para que o evento desportivo mais caro de sempre pudesse ter lugar, milhares de pessoas viram os seus bairros arrasado e foram deslocadas para onde o Partido Comunista bem entendeu. Isso nunca preocupou o COI, que consentiu alegremente em ver a gerontocracia chinesa usar os Jogos Olímpicos como uma grandiosa máquina de propaganda do regime, mas agora faz de virgem ofendida porque o site da BBC e da Amnistia estiveram bloqueados na sala de imprensa. É mesmo não ter o sentido das proporções. Melhor, só ter sentido para a proporção dos negócios num novo e gigantesco mercado.

 

Vale a pena ler: We love Beijing, de Rui Bebiano.

17
Mar08

Relatório minoritário

Pedro Sales

As autoridades policiais britânicas pretendem recolher amostras de ADN dos alunos do 1.º ciclo cujo comportamento indique que podem vir a ser criminosos. "Quanto mais novos melhor", defende Gary Pugh, afirmando que as amostras devem ser recolhidas logo aos cinco anos. Uma medida "preventiva", diz o director forense da Scotland Yard, que defende esta aproximação "minimalista" devido às dificuldades logísticas e de custos inerentes à fichagem do código genético de todos os cidadãos. Não sendo possível esse sonho de qualquer ditador das mais conhecidas distopias literárias do século XX, a polícia britânica pretende que os professores denunciem os meninos mais predispostos a roubar o chupa-chupa do colega.

Curioso, é que o também porta-voz da associação de oficiais da polícia, reconhece os mais que evidentes problemas de estigmatização social, consentimento dos pais e do papel dos professores na identificação dos criminosos de fraldas. Só que, para uma polícia que já tem as amostras ADN de 4,5 milhões de cidadãos, os avanços no combate à criminalidade compensam essas minudências éticas. O que vale é que, neste admirável mundo novo, há sempre um qualquer benefício para justificar a caminhada para um Estado policial cada mais apertado e tecnologicamente evoluído.
03
Out07

Devia ser evidente, não é, senhor ministro?

Pedro Sales
01
Out07

Big brother is coding you

Pedro Sales
PS e PSD aprovaram, na semana passada, a criação de uma base de dados com os perfis de ADN. Se alguém ainda tinha dúvidas de que os portugueses prezam pouco a sua privacidade, e encaram com indiferença e bonomia o acesso das autoridades policiais aos seus dados mais pessoais, a forma como esta questão passou quase despercebida na comunicação social ou na blogosfera é elucidativa.

E há boas razões para preocupação, a maioria delas expressas nas intervenções do Bloco de Esquerda ou do deputado Paulo Rangel. Só o facto do único partido que suporta o governo nesta matéria, o PSD, ter escolhido para intervir um deputado que faz a mais violenta intervenção contra a base de dados já deveria ser, por si mesmo, motivo para preocupação e estranheza.

E não faltam motivos para a inquietação. O acesso à base de dados dispensa autorização judicial, bastando à polícia autorização do presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal. Ao contrário do que defende o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a lei nada diz sobre a destruição do ADN de arguidos cujo processo tenha sido arquivado ou de suspeitos que entretanto foram absolvidos. Existem ficheiros distintos para os registos civil e criminal, mas, ao mesmo tempo, é permitida a interconexão dos dados de todos os ficheiros(!). Resultado, todos os perfis de ADN são pesquisados para efeitos de investigação criminal e podem também ser transmitidos a outros países, muitos dos quais com legislação nada recomendável.

O governo diz que os marcadores de ADN utilizados não são codificantes, não contendo, portanto, informação médica e comportamental. Mas não divulga a lista desses marcadores antes de serem publicados em portaria, retirando a possibilidade do seu escrutínio público pela oposição e Presidente da República, e não acautela mecanismos de de prudência e acompanhamento sobre a sua evolução. Uma matéria fulcral numa área em constante evolução, como é esta, e onde os avanços científicos podem vir a fornecer “uma associação entre um marcador não codificante e uma doença ou um traço comportamental.”

O ADN é, e será cada vez mais, um precioso instrumento de investigação criminal. Mas, não só não devemos embarcar em mitos sobre a sua infalibilidade, como o acesso e tratamento dos dados deve ser regulado pela máxima transparência. Infelizmente, esta lei é marcada por demasiadas omissões e erros conceptuais numa matéria em que, como diz o CNECV, “face ao carácter sensível da informação (...) os próprios aspectos técnicos se convertem em questões éticas”.

O desenvolvimento futuro da base de dados, e da legislação que regula o seu acesso, é um dos principais problemas resultantes de um processo como este. Como recorda o parecer do Conselho Nacional, “a experiência vivida noutros países europeus, como o Reino Unido ou a França, cujas bases de dados foram inicialmente estabelecidas com finalidades criminais precisas e restritas, mostrou que essas finalidades rapidamente foram sendo alargadas.” De facto, as autoridades inglesas dispõem hoje dos perfis de ADN de 10% da população, a maioria das quais sem nenhum envolvimento em processos criminais. Há duas semanas, o Partido Liberal Democrata estabeleceu como uma das suas principais bandeiras a destruição de todas as amostras de ADN de pessoas que tenham sido absolvidas ou cujo processo tenha sido arquivado.

Convém não esquecer que, ainda há menos de um ano, o ministro da Justiça dizia que "o objectivo é, de forma gradual, inserir toda a população portuguesa na base de dados". O Governo recuou nessa proposta disparata - e totalmente desproporcionada entre os potenciais riscos e benefícios -, mas nada nos garante que, como já aconteceu noutros países, os propósitos da base de dados não venham a ser alargados e não estejamos a discutir a universalidade da mesma daqui a uns tempos. Principalmente se continuar o estranhíssimo silêncio sobre o projecto agora aprovado.

ps: para ficar mais claro, na sequência de um comentário a este post, o ponto sobre os marcadores não codificantes foi alterado.
27
Set07

Admirável mundo novo(II)

Pedro Sales
Enquanto o ministro Alberto Costa anda entretido a ver se as polícias locais podem meter uma câmara de vídeo em cada esquina sem controlo judicial, a Inglaterra já nos passou a perna e anda a testar pequenas câmaras voadoras, controladas remotamente, para vigiar os mais pequenos movimentos sem serem detectadas. As forças policiais britânicas, que se encontram em negociações para adquirir o Microdone, justificam-se com a necessidade de prevenir distúrbios nos campos de futebol. Pois, sim. Visão diferente parece ter a empresa que, no vídeo publicitário, mostra as potencialidades da coisa para espiolhar as casas alheias e fazer generosos zooms sobre uma mulher a apanhar banhos de sol de bikini. Tudo em nome da luta contra o terrorismo, claro.
26
Set07

Admirável mundo novo

Pedro Sales
As notícias, que não param de surgir, sobre a nova Lei de Segurança Interna são cada vez mais inquietantes. Pouco me importa que o Governo diga que se trata apenas de um documento de trabalho. O mero facto de o executivo estar a discutir - e do ministro da Justiça afirmar publicamente que não vê quaisquer entraves constitucionais - o acesso à base de dados da ADN e a instalação de meios de videovigilância pela polícia sem controlo judicial, a ambiguidade sobre as escutas e a muito falada governamentalização das orientações da investigação, é matéria mais do que suficiente para deixar qualquer pessoa estarrecida com o filme que aí vem.

Já estou a ver o deputado Alberto Martins a levantar-se, indignado, com o insulto que é alguém duvidar das intenções democráticas de um partido com tão genuínos registos de luta pela liberdade e democracia. Até pode ter razão, mas a questão é que este já não é esse partido socialista. Agora, aparentemente, está entregue a uns aprendizes de feiticeiro que ficaram fascinados com o Patriot Act.
03
Ago07

Um bom dia para a democracia

Pedro Sales
Cavaco Silva vetou o Estatuto dos Jornalistas. Fez muito bem. Tratava-se de uma lei imposta pelo Partido Socialista contra a oposição dos jornalistas, empresários do sector e toda a oposição parlamentar. Apesar de não concordar com todos os pressupostos do longo comunicado da presidência - especialmente o que diz respeito ao regime sancionatório imposto aos jornalistas e a ausência de referências aos direitos de autor -, Cavaco Silva não podia estar mais certo nas críticas que faz ao ponto mais lamentável do agora defunto Estatuto: o levantamento do sigilo profissional. A “enunciação dos pressupostos que permitem a obrigatoriedade da revelação das fontes é feita de forma pouco precisa de um ponto de vista técnico-jurídico, recorrendo-se a expressões como “crimes graves” ou “casos graves” (“casos graves de criminalidade organizada”) que são indubitavelmente potenciadoras de incerteza e de insegurança jurídicas". Na mouche. Este ponto punha em causa a confiança das fontes nos jornalistas, condenando, a prazo, o já reduzido jornalismo de investigação que temos entre nós. Um bom dia para a democracia.

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