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Zero de Conduta

Zero de Conduta

16
Abr08

História universal da infâmia

Pedro Sales

Não é possível fazer a história da medicina no século XX sem recordar o seu lado mais negro, incluindo a participação de alguns dos seus especialistas na inqualificável utilização de seres humanos como cobaias para provar as teses mais bizarras. Este site apresenta uma lista com o que considera serem os 10 piores  programas de utilização de seres humanos para experiências médicas, desde a utilização de LSD pela CIA, às operações forçadas de mudança de sexo levadas a cabo pelo exército sul-africano. Atenção, como o próprio site reconhece no início do texto, a leitura de algumas partes está longe de ser fácil.
24
Out07

Um relatório inconveniente

Pedro Sales
O João Miranda tem razão numa coisa. Existe um preocupante sinal de "politização da academia e do desrespeito pelas regras tradicionais de debate". Não tem é nada a ver com o caso Watson. Está na capa de hoje do Washington Post. O relatório sobre a consequência para a saúde humana do aquecimento global, elaborado pela agência federal dos EUA responsável pela prevenção e estudo das novas doenças, foi "editado de forma significativa" pela Casa Branca. Resultado, um estudo original de 14 páginas foi amputado da maioria do seu contéudo, tendo sido entregue aos congressistas e imprensa um documento com 6 páginas.

Testimony that the director of the Centers for Disease Control and Prevention planned to give yesterday to a Senate committee about the impact of climate change on health was significantly edited by the White House, according to two sources familiar with the documents. Specific scientific references to potential health risks were removed after Julie L. Gerberding submitted a draft of her prepared remarks to the White House Office of Management and Budget for review. Instead, Gerberding’s prepared testimony before the Senate Environment and Public Works Committee included few details on what effects climate change could have on the spread of disease. A CDC official familiar with both versions told the AP that Gerberding’s draft “was eviscerated.”

O politicamente incorrecto a censurar a ciência, quem diria, meu caro Watson. E o pior é que este está longe de ser o primeiro caso.
24
Out07

Para haver condicionamento da ciência tem que haver ciência

Pedro Sales
O João Miranda, retomando uma posição do André Azevedo Alves, responde ao meu post sobre o "caso" Watson, dizendo que o cancelamento de palestras "é mais um sinal da politização da academia e do desrespeito pelas regras tradicionais de debate". Nos comentários do post diz mesmo que é a "integridade do processo cientifico" que está em causa.

Exacto. Só que essa integridade foi posta em causa pelo próprio Watson ao defender, com o argumento de autoridade da ciência, conclusões que não correspondiam a nenhum esforço ou estudo científico. Aliás, na própria entrevista, o autor diz acreditar que, daqui a 10 anos, será possível provar aquilo que os empregadores de trabalhadores pretos já hoje sabem: que os africanos são menos inteligentes. Onde é que cabe, aqui, a "integridade do processo científico"? É conversa de café, na melhor das hipóteses.

Por mim pode, e deve, estudar-se tudo livremente. E também acho que a ciência não deve ser politizada. Mas não é isso que está em causa nesta questão. Watson acha que existem condicionantes genéticas que explicam que os pretos, árabes ou os judeus são menos inteligentes? Força, estude isso e apresente os resultados desse estudo. Mas não foi isso que fez. Preferiu dar voz aos preconceitos mais generalizados, emprestando-lhes a força da autoridade científica de quem sabe do assunto porque até foi ele que descobriu a estrutura do ADN. É uma impostura, como hoje lhe chama Vitor Malheiros no "Público". É normal que, nessas condições, os organizadores das palestras não se queiram ver associados a Watson. Só isso. O resto é a campanha do costume dos defensores do "politicamente incorrecto". Vale a pena ler o último parágrafo do artigo já citado de Vitor Malheiros (antigo editor da extinta secção de ciência do Público).

Se Watson guardasse alguma lucidez, teria explicado na sua entrevista que sobre a inteligência comparada ele não sabia mais do que um distribuidor de pizzas. Mas, abusivamente, permitiu que ela fosse lida como a resposta de um prémio Nobel de Medicina e Fisiologia a uma questão relativa aos atributos fisiológicos dos seres humanos e investida de dessas autoridade. Tratou-se de uma impostura.
22
Out07

O politicamente correcto tem as costas largas

Pedro Sales
Anda para aí uma grande indignação porque James Watson, um dos cientistas que descobriu a estrutura do ADN, viu ser cancelada uma conferência científica depois das suas polémicas afirmações sobre a base genética para a menor inteligência dos africanos. José Manuel Fernandes (sem link) e João Miranda encontram neste caso o exemplo do condicionamento da ciência pelo “politicamente correcto”, impedindo a continuação do debate. Já Desidério Murcho considera que estamos perante o germe do “pesadelo orwelliano”.

Numa curiosa escolha de palavras, Desidério Murcho pergunta se “um cientista não tem direito a ter crenças falsas”? Depende. Do método, do rigor e da honestidade. É que, contrariamente ao que defendem os três nomes citados, não é o condicionamento politicamente correcto da ciência que está em causa, mas a sua credibilidade. A questão não são tanto as “crenças” de Watson - onde em nada se distingue do mais idiota dos racistas -, mas o facto de elas serem proclamadas com o argumento de autoridade da investigação genética e do “único compromisso com a ciência pura”. A prova “científica” usada por Watson para desmentir a igualdade racial da inteligência é a suposta burrice dos empregados negros. Ora, como foi rapidamente negado pelos seus pares, não só há nenhum estudo que comprove as teses de Watson, como o próprio já veio pedir desculpa pelas suas palavras e dizer que “não há bases científicas” para as suas afirmações. Curiosa “ciência pura”, cujas conclusões se desfazem ao fim de uma semana de moderada polémica...

James Watson, continuando o seu historial de proclamações polémicas na véspera do lançamento dos seus livros, tentou vender a banha da cobra. Escolheu uma polémica garantida. Não existe nenhum "tabu", como insinua JMF, na conclusão científica de James Watson. O problema é que ela não é científica, mas vende a ciência para se legitimar e defender o mais profundo dos estigmas racistas.

É a esta luz que devem ser encaradas as conferências canceladas. É normal que a comunidade académica se queira preservar e não se queira ver envolvida numa polémica que nada tem a ver com a ciência. Ou será que José Manuel Fernandes convidaria Jayson Blair (o jornalista do New York Times que inventou dezenas de reportagens sem nunca sair da sua secretária) para conferenciar numa palestra sobre deontologia jornalística? E a patrulha do politicamente correcto, também convidaria Floyd Landis (o ciclista a quem foi retirada a camisola amarela, de vencedor da Volta a França de 2006, por estar dopado) como principal orador num encontro sobre a ética desportiva? É tudo uma questão de credibilidade. Do cientista e de quem não perde uma oportunidade para fazer campanha contra a suposta ameaça do "politicamente correcto".
08
Ago07

Geração rasca?

Pedro Sales
A produção científica em Portugal, medida pelo número de publicações, aumentou 23%, em 2006. Os 7527 artigos e outros escritos dos portugueses, referidos pelo Science Citation Index Expanded (SCI), colocaram, pela primeira vez, o país à frente da Irlanda (7350). Em 1990, Portugal publicava o equivalente apenas a um terço da produção científica irlandesa e 1/10 da espanhola. A distância para Espanha reduziu-se para 1/5, mas deve-se ter em conta que a população é quatro vezes maior.

Deliciosa ironia. Num país em que, há pouco mais de uma década, a taxa de analfabetismo estava nos dois dígitos, não deixa de ser engraçado que seja precisamente a tão vilipendiada geração rasca que o coloque, a tempo inteiro, no circuito europeu de investigação, publicação e divulgação científica. A única coisa rasca, e que não aparece na história, é um número significativo dos autores e investigadores citados faça este trabalho nas mais indignas condições de instabilidade profissional, ausência de direitos e protecção social (a esse propósito, vale a pena consultar o site dos Bolseiros de Investigação Científica).

Mas notícias como estas têm também outra vantagem. Garantem-nos algumas semanas de higiene mental sem ter que aturar a Maria Filomena Mónica, Fátima Bonifácio, António Barreto ou José Manuel Fernandes com a treta do costume sobre a excelência da universidade de antigamente, em detrimento dos madraços que evoluem agora no ensino superior. Numa série de artigos sobre o assunto, que durou várias semanas de arrasadoras críticas nas páginas do Público, José Manuel Fernandes escrevia (a 16 de Agosto de 2004) que "ano após ano os critérios de exigência e rigor vão decaindo perante estudantes que não correspondem e a última coisa que desejam é esforçar-se. Hão-de desenrascar-se, como tantos antes deles, e haverá sempre forma de um dia ganharem a vida pior ou melhor [...] Sem mudar os nossos paradigmas culturais dominantes, de nada servirá dar mais dinheiro à Educação: será dinheiro desperdiçado".

Essa distopia sobre a excelência do ensino de antigamente, leva-nos a um tempo em que os professores, na abertura do ano académico, conheciam os apelidos de todos os alunos, a quem já tinham dado aulas aos pais, tios e primos. A selectividade social garantia a excelência. Mas, seria mesmo excelente? Que investigação científica é que se fazia, então? Que actividade internacional é que tinham os nossos excelsos doutores do antigo regime? Onde é que publicavam as teses? Pois é, agarrar em meia dúzia de nomes famosos e prestigiados, como Nemésio, Lindley Cintra ou Prado Coelho, não nos diz rigorosamente nada sobre a qualidade media de uma universidade que era o espelho de um país atrasado no tempo e fechado sobre si próprio. Aquilo a que chamam excelência, em muitos casos, não passaria no crivo do mais laxista júri de doutoramento actual. Os investigadores nacionais da geração rasca são avaliados como nunca foram os seus predecessores: pelos seus pares internacionais. Excelência é isso, o resto é ideologia de quem parece ficar com problemas de pele com a massificação proporcionada pelo ensino superior público e o fim de uma universidade elitista e de casta.

Como é referido no artigo, nem tudo são boas notícias, sendo principalmente preocupante que “as restrições na concessão de bolsas de investigação vão acarretar uma diminuição da mão-de-obra científica”. Ao contrário da maioria dos países europeus, a investigação científica nacional ainda se encontra muito dependente do investimento público e do envolvimento das universidades do Estado. É que, se a despesa em investigação em desenvolvimento representa 0,8% do PIB, contra os 1,9% da União Europeia, a despesa privada representa apenas 20% da despesa total em I&D, contra os 2/3 europeus. Por isso, quando os suspeitos dos costume disserem que as universidades vivem de costas voltadas para as empresas e a sociedade, vale a pena pensar se são será o contrário, e se, por acaso, não serão os mesmo empresários que se encontram em homilia anual no Convento do Beato, para perorar sobre a falência e ineficácia dos serviços públicos, que não estarão muito virados para essas modernices da inovação e da tecnologia?

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