A produção científica em Portugal, medida pelo número de publicações, aumentou 23%, em 2006. Os 7527 artigos e outros escritos dos portugueses, referidos pelo Science Citation Index Expanded (SCI), colocaram, pela primeira vez, o país à frente da Irlanda (7350). Em 1990, Portugal publicava o equivalente apenas a um terço da produção científica irlandesa e 1/10 da espanhola. A distância para Espanha reduziu-se para 1/5, mas deve-se ter em conta que a população é quatro vezes maior.Deliciosa ironia. Num país em que, há pouco mais de uma década, a taxa de analfabetismo estava nos dois dígitos, não deixa de ser engraçado que seja precisamente a tão vilipendiada
geração rasca que o coloque, a tempo inteiro, no circuito europeu de investigação, publicação e divulgação científica. A única coisa rasca, e que não aparece na história, é um número significativo dos autores e investigadores citados faça este trabalho nas mais indignas condições de instabilidade profissional, ausência de direitos e protecção social (a esse propósito, vale a pena consultar o site dos
Bolseiros de Investigação Científica).
Mas notícias como estas têm também outra vantagem. Garantem-nos algumas semanas de higiene mental sem ter que aturar a Maria Filomena Mónica, Fátima Bonifácio, António Barreto ou José Manuel Fernandes com a treta do costume sobre a excelência da universidade de antigamente, em detrimento dos madraços que evoluem agora no ensino superior. Numa série de artigos sobre o assunto, que durou várias semanas de arrasadoras críticas nas páginas do Público, José Manuel Fernandes escrevia (a 16 de Agosto de 2004) que "ano após ano os critérios de exigência e rigor vão decaindo perante estudantes que não correspondem e a última coisa que desejam é esforçar-se. Hão-de desenrascar-se, como tantos antes deles, e haverá sempre forma de um dia ganharem a vida pior ou melhor [...] Sem mudar os nossos paradigmas culturais dominantes, de nada servirá dar mais dinheiro à Educação: será dinheiro desperdiçado".
Essa distopia sobre a excelência do ensino de antigamente, leva-nos a um tempo em que os professores, na abertura do ano académico, conheciam os apelidos de todos os alunos, a quem já tinham dado aulas aos pais, tios e primos. A selectividade social garantia a excelência. Mas, seria mesmo excelente? Que investigação científica é que se fazia, então? Que actividade internacional é que tinham os nossos excelsos doutores do antigo regime? Onde é que publicavam as teses? Pois é, agarrar em meia dúzia de nomes famosos e prestigiados, como Nemésio, Lindley Cintra ou Prado Coelho, não nos diz rigorosamente nada sobre a qualidade media de uma universidade que era o espelho de um país atrasado no tempo e fechado sobre si próprio. Aquilo a que chamam excelência, em muitos casos, não passaria no crivo do mais laxista júri de doutoramento actual. Os investigadores nacionais da
geração rasca são avaliados como nunca foram os seus predecessores: pelos seus pares internacionais. Excelência é isso, o resto é ideologia de quem parece ficar com problemas de pele com a massificação proporcionada pelo ensino superior público e o fim de uma universidade elitista e de casta.
Como é referido no artigo, nem tudo são boas notícias, sendo principalmente preocupante que
“as restrições na concessão de bolsas de investigação vão acarretar uma diminuição da mão-de-obra científica”. Ao contrário da maioria dos países europeus, a investigação científica nacional ainda se encontra muito dependente do investimento público e do envolvimento das universidades do Estado. É que, se a despesa em investigação em desenvolvimento representa 0,8% do PIB, contra os 1,9% da União Europeia, a despesa privada representa apenas 20% da despesa total em I&D, contra os 2/3 europeus. Por isso, quando os suspeitos dos costume disserem que as universidades vivem de costas voltadas para as empresas e a sociedade, vale a pena pensar se são será o contrário, e se, por acaso, não serão os mesmo empresários que se encontram em homilia anual no Convento do Beato, para perorar sobre a falência e ineficácia dos serviços públicos, que não estarão muito virados para essas modernices da inovação e da tecnologia?