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Zero de Conduta

Zero de Conduta

31
Jul08

Uma mão cheia de nada

Pedro Sales

A forma como a declaração de Cavaco Silva foi anunciada tem tudo para ser um desastre comunicacional, criando expectativas tão altas que o mais certo é voltarem-se contra o Presidente. Depois de um assessor de Cavaco Silva ter garantido ao Público “que só uma razão verdadeiramente importante levaria o Presidente a interromper as suas férias e, sobretudo, a usar a televisão para falar ao país”, é disso mesmo que se está à espera. De uma novidade. E importante. Menos do que isso e será um fracasso. A especulação desenfreada que hoje corre na imprensa e blogosfera é o melhor sinal disso mesmo. Cada um foi antecipando na declaração do PR suas próprias expectativas. Uma receita para o desastre, portanto.


Ora, o mais certo é não haver novidade nenhuma, e tudo se resumir a mais um discurso sobre a confiança nos portugueses e na sua capacidade inata para vencer a crise. Com qualificação, esforço e exigência, ultrapassaremos juntos a difícil conjuntura internacional. Esperança, portanto. Só que Cavaco não é Obama. Onde o último consegue incendiar uma multidão sem dizer nada de concreto, Cavaco nem os seus assessores consegue convencer.

 

Não há problema. Começará logo depois o trabalho dos especialistas em cavaquês, tentando construir todo um discurso sobre o discurso de Cavaco.  Esta é a parte mais engraçada da comunicação política presidencial. Cria uma expectativa desmedida antes e depois. O conteúdo em si mesmo é o menos relevante. Quase acessório. Existe para justificar o barulho e a crença num Cavaco Silva previdente e providencial. Se amanhã as massagens voltarem às praias do Algarve não faltará quem garanta que foi Cavaco Silva. O que é preciso é fé.

27
Nov07

O Privado, o Público e o Comum

José Neves
O artigo da Isabel do Carmo sobre o Serviço Nacional de Saúde, publicado no número de Novembro do Le Monde Diplomatique – Edição Portuguesa, é um excelente artigo, como ali se assinalou. No entanto, diferentemente do que ali assinalaram, o ponto que julgo mais interessante destacar no artigo não é tanto o da defesa do público contra o privado. O ponto mais interessante no artigo da Isabel do Carmo, a meu ver, é a necessidade que se encontra implícita no seu apelo final: a necessidade de pensar a relação do comum com o público, necessidade que encontro presente quando a Isabel do Carmo fala da urgência de um movimento “a partir de baixo” – juntando médicos, utentes e demais – que seja capaz de responder às tendências privatizadoras em curso: «Estamos num momento de viragem em que, face ao individualismo, à selva do neoliberalismo, à falta de ética generalizada, talvez ainda seja possível juntarmo-nos, os possíveis, não para “escrever a carta ao Presidente” (ou assinar a petição na Internet) mas para inventarmos e impormos soluções. Na matéria que conhecemos, nos sítios que percebemos, com as pessoas que pudermos».
A luta contra as tendências privatizadoras exige que encaremos de frente as causas imediatas de um eventual divórcio entre a população e o público mas também exige que investiguemos as causas menos imediatas desse possível divórcio. Isto é, a luta não só exige que encaremos as causas de desconfiança no público provocáveis pela concorrência feita pelo privado e pelas ideias neoliberais, como também exige que debatamos em que medida a própria ideia de propriedade estatal constrange a experiência do público. É também porque entendo esta discussão crucial que não percebo como se pode preferir List a Marx na ida discussão do século passado, discussão que na verdade é tão actual hoje como era ontem.
Dizer ainda, e no seguimento disto, que há um ponto inicial da análise da Isabel do Carmo do qual me distancio. No início do seu artigo, ela opõe um “Estado de direita” e um “Estado de esquerda”; o primeiro seria o Estado da defesa, da justiça, da segurança e dos negócios estrangeiros; o segundo seria o Estado da saúde, da educação e da segurança social. (A mesma ideia pode-se encontrar no conhecido esquema de Bourdieu sobre a mão esquerda e a mão direita do Estado). Eu percebo que esta ideia surja para contrariar uma crítica de índole anarquista ao Estado, critica que muitas vezes simplifica o que não pode nem deve ser simplificado. Mas também não creio que a educação, a saúde e a segurança social possam ser simplesmente tidas como anéis numa “mão esquerda”; ou melhor, podemos considerar positivamente a “mão esquerda” mas enquanto o braço que a mover continuar a ser o braço do Estado, há problemas - em cuja denúncia a crítica anarquista é useira e vezeira - que não podemos secundarizar. É que na guerra – e isto pretende ser um ponto de perplexidade mais do que um ponto de chegada – mata tanto a espingarda que dispara como o soldado que na escola aprende a matar em nome da pátria.
*Isto e outras coisas poderão ser debatidas esta 5ª feira à noite, no Braço de Prata, com a própria Isabel do Carmo.
** O homem da foto chama-se Edward Palmer Thompson e sobre ele escrevi um texto ali. A sua obra é um objecto precioso para todos os debates sobre o privado, o público e o comum. Foi a partir dele, e da obra menos desconhecida de Karl Polanyi, que eu e o João Rodrigues tivemos a oportunidade de ali escrever, há já algum tempo atrás, um pequeno ensaio sobre o "Amor à Camisola" na economia política do futebol. O Thompson - cuja obra terá brevemente uma primeira edição em Portugal... - é com efeito um elemento fundamental para nos ajudar em todos os debates sobre a economia moral (economia moral que, no seu caso, era mais “da” multidão que roubava as bicicletas do que propriamente “do” socialismo...).

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