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Zero de Conduta

Zero de Conduta

05
Dez07

O post mais longo da história do ZdC, na esperança de notícias sobre uma greve geral que vai de Pequ

José Neves

Este post é tão, mas tão, tão longo, que melhor parece uma tentativa de boicotar o próprio Zero de Conduta… Aos colegas, as minhas desculpas. Aos leitores habituais, a menos que não tenham nada de interessante para fazer no resto da noite, convido a saltarem directamente para os posts abaixo deste ou para os posts que entretanto terão aparecido encimando este. A minha esperança, confesso por fim, é que estes milhares de caracteres que se seguem dêem ainda mais alento ao Pedro Sales nos seus esforços para descobrir como usarmos, aqui no blogue, aquele mágico click: “read more”.
Caro João Rodrigues. Não tive tempo para te responder com a sistematicidade que convém mas deixo algumas notas soltas como hipótese para discussão. Começo pelo princípio do teu post. Repara que a tua crítica parte da ideia de que eu quero pensar como organizar um sistema universal de cuidados de saúde. Mas olha que não, olha que eu estou bem mais “atrasado” do que isso… Senão repara. Ambos entendemos que o acesso à saúde é algo de que ninguém deverá ser privado e ambos queremos travar uma guerra em nome deste princípio. Mas isto não implica que ambos entendamos a organização de um “sistema universal” de provisão de cuidados de saúde como única estratégia possível nessa luta. A ideia de um serviço nacional de saúde - ou de um sistema de segurança social - não nasceu do “espontâneo” pensar organizativo de políticos e intelectuais do Estado ou de políticos e intelectuais que quiseram mudar o mundo depois de tomarem o poder de Estado. A ideia destes sistemas estatais surgiu na continuidade de um contexto de conflituosidade social, na continuidade de fenómenos tais como as caixas económicas operárias, as redes de solidariedade de índole familiar e local, enfim, redes tecidas “a partir de baixo”. Assim, uma principal fonte de energia dos sistemas sobre cuja organização queres pensar é, com efeito, aquela “vaga noção do comum” que de algum modo desprezaste.
Trata-se aqui, nesta "vaga noção de comum", de uma fonte de energia histórica na medida em que a emergência do Estado social não é dissociável da história da luta de classes. Aliás, quando desprezas a “vaga noção de comum”, esqueces momentaneamente um sem número de experiências concretas: a tão iconoclasta Comuna de Paris, é claro, mas também as dinâmicas associativas do movimento operário alemão de inícios do século XX, o movimento político-económico dos conselhos de fábrica, a força revolucionária dos sovietes, a contra-sociedade do PCI nos anos 40 e 50, as greves em Portugal entre 1942 e 1946 (sem as quais não se compreende o discurso económico comunista português do qual tu tendes a herdar apenas o lastro desenvolvimentista), as experiências da autonomia operária nos anos 60 e 70, o movimento do zapatismo desde Chiapas até à Outra Campanha, as inúmeras “vagas” noções do comum que fizeram o PREC, a tão recente Comuna de Oaxaca, os assentamentos dos Sem Terra, as assembleias barriais do 2001 argentino, as casas ocupadas que tendes a desprezar, etc., etc., etc. Em todos estes casos não encontrarás por certo um pensamento da “organização” e do “sistema” mas em todos estes casos encontras uma economia moral que está em processamento. (e aqui, no entendimento da política aquém e além do “plano”, da “organização” e do “sistema”, recordo-te o comentário que te deixei na caixa deste post, comentário acerca da importância de precisarmos o sentido da “economia moral da multidão” – e não economia moral socialista - do E.P.Thompson). Repara bem, no entanto, que a reciclagem da energia do comum feita pelo público não é um processo simplesmente histórico. Com efeito, o público necessita de empreender esta reciclagem todos os dias. É essa reciclagem que ocorre quando o Serviço Nacional de Saúde enquadra a motivação “comunitária” (na realidade mais comunista do que comunitarista) manifesta em incontáveis actos de comunicação (de comunidade) praticados por vários profissionais da saúde. Ora aquilo para que eu te quis chamar a atenção é o facto do teu “sistema universal” não sobreviver sem esta energia do comum, sendo que o contrário não se verifica... De que o fulcro da questão reside no comum – na actualidade do comum – parecem aliás ter clara noção os ideólogos e os estrategas do privado. Repara que a “vaga noção do comum” que tu referes está presente, mesmo se subsumida, na retórica de vários discursos privados. É certo que os discursos do privado fomentam o individualismo do “salve-se quem puder” mas eles simultânea e paradoxalmente procuram recuperar para si a tal “vaga noção do comum”. Repara que a “paisagem” do anúncio televisivo do ministério da segurança social em que se elogia o “sistema” não é assim tão diferente da “paisagem” de anúncios televisivos de algumas seguradoras. Em ambos os casos se procura disputar a energia fornecida pelo comum; em ambos os casos se promete a vida plena – com os netos, os amigos, os cães, o tempo livre, o turismo, o cinema, a casa de campo, etc. – a quem se libertou do trabalho. (O que aliás só vem mostrar a actualidade de uma crítica da própria ideia de trabalho; a acumulação primitiva que transforma o camponês em operário não é apenas algo que se verifica na fase de ascensão do capitalismo, é algo que se renova todos os dias e só uma concepção linear do tempo histórico é que pode sustentar o contrário). Menciono-te ainda outras circunstâncias em que o privado tem igualmente procurado recuperar em seu proveito a legitimidade de representação do comum que o público julga deter (e que detém na figura da promessa desenvolvimentista). É uma recuperação quase sempre feita com recurso a um forte investimento no cultivo da afectividade, como melhor saberás explicar. Vejamos o caso da saúde, no qual são muitos os contextos em que o público oferece melhores condições técnicas e científicas que o privado e em que este tem sabido contrapesar este défice procurando oferecer melhores condições de atendimento, mais conforto, serviços mais humanizados. Esta preocupação do privado – que nos aparece como objectivamente secundária e que achamos que só os ricos é que valorizam – indicia bem que a necessidade social premente é uma sociedade-providência e não obrigatoriamente um Estado-providência. Também por isto a questão da comunização/recomunização do Serviço Nacional de Saúde não é simplesmente uma questão de dar mais “voz” a utentes e médicos, como a teu jeito reduzes o que eu defendera ser o mais importante no artigo da Isabel do Carmo; é também uma questão vital no combate ao privado. Outro exemplo ainda, agora para lá da saúde: a privatização do dito espaço público. (E aqui teríamos que discutir até que ponto público é o mesmo que Estado mas, por agora, deixemos isto de parte). Não sei se alguma vez olhaste com atenção para um anúncio de um condomínio privado mas em alguns deles é justamente uma experiência comunitarista do comum que nos é proposta; no contexto urbano em que impera a “lei do mais forte”, eles falam da possibilidade de regressarmos a uma vida social fraterna e solidária (talvez nem sempre nesta linguagem jacobina-alegrista…) e prometem-nos por isso uma ilha soberana no meio do caos citadino.
A mim parece-me que se deixarmos a luta contra o privado nas mãos do público, do Estado, dos “defensores” do público e dos “defensores” do Estado, essa mesma luta contra o privado continuará a ser derrotada como tem sucedido. (E por isso é com um sorriso nos lábios que te vejo a usar a eficácia como um argumento de autoridade face às minhas posições; se atenderes às derrotas e mais derrotas que nos últimos anos temos sofrido sob a tutela político-ideológica da tradição a que pertences, estou certo que eficácia não é coisa de que te possas valer).
A meu ver, e era sobre isto que eu pretendi iniciar o debate contigo, o nosso problema começa desde logo no diagnóstico. Julgo que é redutor apresentarmos as tendências de privatização em curso como simples produto da hegemonia cultural, política, ideológica e académica dos neoliberais. (Ou melhor, julgo ser redutor que por hegemonia entendamos simplesmente “coerção” ou mesmo “dominação”). As tendências de privatização vêem sendo cada vez mais validadas pelos próprios cidadãos – enquanto eleitores e enquanto consumidores –, cidadãos que muitas vezes parecem não ouvir aqueles que lhes dizem que o Estado é de todos nós, a nação é de todos nós, o público é de todos nós. Podemos, é claro, dizer e dizer e voltar a listar todos os méritos que achamos inerentes à propriedade colectiva estatal; mas também poderemos começar a perguntar se não existe qualquer coisa que está a “falhar” no culto esquerdista (de esquerda) do público e perguntar se este qualquer coisa não está para cá e para lá do debate sobre a ineficiência ou não dos serviços públicos, o desinvestimento ou não no público de que os governantes são responsáveis ou, ainda, a posição minoritária em que se encontrará o discurso político e económico alternativo ao neoliberalismo. Não basta teres a posição “defensiva” que mostraste, não basta remeter a história dos sistemas estatais de providência ao contexto da história do embate entre capitalismo e socialismo no século XX. É preciso compreender que o combate ao privado começa hoje e sempre hoje; é um combate que começa na luta quotidiana do comum contra o privado, luta travada sob enquadramento dos sistemas estatais mas também aquém e além desse enquadramento; é um combate que ataca e não que defende, um combate que deve evitar que a ideia da luta de classes perca a sua actualidade, o que sucede quando é dominada por qualquer concepção progressista do tempo que nos deixa com as classes – ou outras figuras identitárias – mas sem a luta. O principal problema que enfrentamos não é como organizar uma outra sociedade; é como lutar nesta sociedade. Sem luta – e sem teorização sobre a luta –, a teorização sobre o sistema de nada serve; e com a luta, e na luta, a teorização da alternativa adquire necessariamente contornos radicalmente diferentes do que a teorização a-histórica sobre o sistema dominante ou alternativo (uma teorização que é sempre produzida no tempo histórico presente mas que é sempre realizada a pensar na defesa de um tempo histórico passado ou na invenção de um tempo histórico futuro). Repara que vários intelectuais burgueses terão idealizado modelos alternativos ao feudalismo, por certo; mas parece-te sensato que lhes exigissemos a proposta de um modelo de "organização" económica alternativo?!). O início do nosso discurso sobre política só pode ser – e este livro aqui fala-nos disso – uma filosofia política que tome partido implicando-se nas próprias possibilidades que as tensões presentes acolhem em todas as suas contradições. (e peço desculpa pela falta de rigor que adquiriram conceitos como “intelectuais burgueses”, “burguesia” e “feudalismo”, mas acho que percebes o que quero dizer). II Deixemos por isso entre nós as referências aos livros que se encontram na mesa-de-cabeceira de cada qual, ok? Mas, como perguntas, não resisto a reflectir sobre a (in)utilidade de O Capital e de Império para os gestores de cooperativas. Eu não acho que Marx e Negri – e em relação ao segundo falo com conhecimento razoável, em relação ao primeiro não diria tanto – sirvam para ajudar o tipo que gere a cooperativa a melhor gerir a sua cooperativa. Tu, pelo contrário, achas que List ou Keynes servem para esse efeito. Ora é aqui que está uma boa parte da nossa diferença. E quando digo aqui não digo que a diferença esteja tanto no facto de tu indicares List e não Marx e Negri como leituras convenientes para um gestor de cooperativas; quando digo aqui digo que a diferença está no facto de reservares a List um estatuto de “ciência” que pretendes ver usado para planificar um novo futuro. Marx e Negri, tens razão, não servem a uma tal função: mas não servem não por "defeito" e sim porque entendem o comunismo como tendência e não como sistema. Marx não nos deixou muita coisa escrita sobre o que seria a sociedade pós-capitalista mas isso, ao contrário do que é costume dizer, não é uma lacuna; antes é o sinal da confiana em que o comunismo nasça da sociedade em que o capitalismo é dominante; nas palavras de Negri e de Guattari, palavras datadas dos anos 80 que cito aqui de cor, o comunismo não é algo a criar no futuro histórico mas sim um mínimo denominador comum do presente, algo que não corresponde à ambição de um “amanhã que cante” e que não necessita da moderação de uma “fase de transição”. Os homens dos meus livros de mesa-de-cabeceira, como vês, são bem menos moderados mas também bem menos revolucionários do que tu, são bem menos social-democratas do que tu mas também bem menos marxistas-leninistas do que tu...
Esta nossa diferença (mas tu corrigir-me-ás os pontos em que irei longe demais) expressa-se ademais nas diferentes posições que temos perante a “questão nacional”: tu defendes um patriotismo socialista e eu recuso a possibilidade de um projecto patriota, seja ele de que natureza política for. Tu olhas para a realidade preocupado com o todo e identificas esse todo no Estado nacional. O resto – o mundo para lá de Badajoz – não te inexiste, claro que não, mas tratam-se de exterioridades que só secundariamente determinam – ou melhor, que só secundariamente deveriam determinar - a vida do todo nacional. Para ti, o Estado nacional é ou devia ser uma comunidade política e económica autodeterminada e não há projecto comunista (ou social-democrata) que possa contornar isto. Eu não olho – ou não pretendo olhar - para a realidade a partir de um todo. Olho sim para a realidade a partir de uma parte, uma parte cujo poder de acção condiciona – mais ou menos, depende da luta política e da famigerada correlação de forças – um todo. Trata-se aqui de algo mais distintivo do que poderia fazer supor um simples problema de posicionamento. Neste caso, mas será assim no geral, o lugar de onde olhamos contém desde logo um “significado epistemológico”. Entre outras razões, e quiçá poderás acrescentar mais ainda, o diferente lugar em que nos encontramos é afim às diferentes preocupações que desenvolvemos ao olhar para a história do movimento comunista. Para ti, face a essa história, a questão principal tende a ser a do falhanço do socialismo uma vez tomado o poder e não é por acaso que boa parte dos problemas sobre os quais reflectes desenvolvem os debates historiográficos dominantes sobre as políticas de desenvolvimento soviéticas. O centro da tua reflexão acaba assim por ser o Estado. Eu, como já te disse, estou muito mais “atrasado” no meu processo de reflexão; e, mais ainda, não pretendo abdicar deste “atraso”. Eu "ainda" ando a fazer perguntas sobre a fase “prévia”, a fase da tomada de poder, da questão revolução-reformismo, do debate parlamentarismo-não-parlamentarismo, da relação partido-movimento, etc. Tu já estás sentado em São Bento ou em Leninegrado a decidir políticas públicas e medidas estatais de desenvolvimento. Eu, vê bem, não me quero furtar ao debate que tu colocas; mas não o quero desligar de um outro, do debate sobre o sucesso do movimento comunista, sobre o sucesso passado e sobre um eventual sucesso presente. Para mim, a questão do fracasso do socialismo na URSS não pode ser dissociada das condições do seu sucesso e do modo de produção desse sucesso e por isso é tão importante começar por reflectir sobre a questão política “como fazer a revolução?” (e só o simplismo desta formulação demonstra bem tal necessidade…). Tu sentes-te interpelado pela clássica questão que desde 1989 é sistematicamente atirada à cara dos comunistas: “mas qual é o modelo alternativo ao capitalismo que têm para oferecer?”. Eu rejeito os termos da própria pergunta. Não temos, não temos que ter, não devemos ter, e não deveríamos ter tido, qualquer “modelo” para oferecer (oferecer a quem? ao povo ignaro? à gente que "consome" teoria e "compra" política?). E isto, o não termos modelos para oferecer, em nada nos impede de dizer NÃO ao que bem acharmos e de produzirmos politicamente este NÃO. O NÃO é historicamente tão produtivo quanto o SIM, a menos, claro, que regressemos a uma concepção teleológica do processo histórico. Para glosar um título, e como vês vou exagerando cada vez mais as nossas diferenças, tu vês como um Estado. (Em bom rigor, tu não vês só assim, bem o sei; mas em última instância, e quando contra mim, tu vês assim). Eu pretendo colocar-me a olhar a realidade desde o ponto de vista de uma parte e não de um todo. O princípio da minha reflexão, por isso, é o movimento (ou o partido, aqui tanto faz), a nossa parte-presente; e não o Estado, o nosso eventual todo-futuro. A minha é uma posição aparentemente mais modesta, mais tímida. Mas não só o é aparentemente. Com efeito, o teu olhar é mais coeso, mais sistémico e mais coerente; num entendimento programático da revolução, o teu olhar é bem mais revolucionário. Tu aliás fazes questão de usar este entendimento como argumento de superioridade, não resistindo mesmo a fazer um comentário em que separas as minhas ideias “abstractas” dos “assuntos correntes da vida” (de quem está a fazer uma tese de doutoramento sobre história do pensamento económico integrado num departamento de filosofia, confesso que não esperava este tipo de dicotomia ou, pelo menos, esperava-a mais sofisticada; nota que as aspas que tu próprio utilizas para acomodar esta dicotomia abstracto/corrente, e que pareces usar como simples facilitismo de comunicação, são na realidade mais do que isto; são um facilitismo de raciocínio; elas mostram que tu sabes bem que a separação abstracto/corrente contém algo demasiadamente impreciso para poder ser referida de peito aberto). A ambição revolucionária do teu olhar tem no entanto algo mais que se lhe diga. A manutenção da compostura desse teu olhar depende, na verdade, de tomarmos como referente de construção da alternativa aquele mesmo referente dominante de tudo o que é coeso, sistémico e unitário, isto é, o referente da comunidade nacional. Todo o teu raciocínio depende , entre outras coisas, de uma asserção que só é válida na medida em que tomemos a realidade como unívoca, como um dado e não como um sólido que se desfaz no ar, isto é, todo o teu raciocínio depende de não se tomar a realidade como um conglomerado de tendências ambivalentes, ambíguas e contraditórias; e é justamente tal univocidade que te permite fazer a asserção segundo a qual a nação é a identidade preferencial na realidade vigente e, portanto, tem que ser a identidade preferencial na política que age sobre a realidade vigente. Ora, o problema não está em saber qual das identidades – se a nação se a classe - é mais forte do que a outra; mas sim em saber que ambas estão aí e que a política se faz valorizando uma e ou valorizando a outra. E que um dos problemas fundamentais da luta do proletariado é um problema internacionalista, não daquele internacionalismo dos povos e das culturas nacionais, mas de um internacionalismo mundialista capaz de produzir a primeira greve geral planetária, que ligue o proletariado de Pequim ao Vale do Ave, contra o interesse nacional português e contra o interesse nacional chinês (ena, ena, ena, se isto algum dia acontecer é favor creditar aqui ao Zero de Conduta!). E aqui chegamos, é claro, a List vs. Marx, particularmente à polémica travada entre ambos na primeira metade dos anos 40 do século XIX. E sobre este antagonismo Marx-List há com efeito uma coisa em que tens razão. Quem tem de tomar decisões de “política industrial”, faz melhor em escolher List e em deixar esquecido Marx. Já quem tem de fazer política no-e-contra o capitalismo e quer tomar partido na “luta de classes” (ou outra formulação prima, mais ou menos classista; e aviso que não falarei aqui de multitude porque aí então é que dirás que eu sou um mero dilentante) melhor fará em esquecer List e debater Marx.
As tuas ideias serão porventura muito úteis quando a malta tomar o poder cá na terrinha (nesta ou noutra terrinha), tomando o palácio de Inverno a tiros ou São Bento a votos. Entretanto, bem antes disso, será preciso lutarmos como nunca o fizemos e isto só é possível sendo nós uma parte no mundo. E daqui, da necessidade de uma luta imediatamente mundial, retiram-se então duas conclusões. Em primeiro lugar, que há uma diferença de escala a nos separar: a tua concepção é mais total mas a tua totalidade tem o tamanho de um país; a minha é mais partidária mas o meu partido age no tamanho do mundo. Em segundo lugar, e foi isto que discutimos na primeira parte deste post, uma diferença de natureza: o teu ponto de partida é o teu ponto de chegada, o teu esforço é positivo e a tua linguagem é a do plano; já o meu ponto de partida não sabe qual é o seu ponto de chegada, o meu esforço é negativo e a minha linguagem é a da recusa; no meu processo revolucionário, o curso do mesmo tem como efeito questionar a legitimação que tu terias para estar sentado em São Bento ou no Palácio de Inverno a publicar decretos (bem sei que ancorados em estudos rigorosos, no teu caso não tenho a mais pequena dúvida), desafiando assim a credibilidade dos princípios de “planificação” subjacentes ao teu “pensar como organizar um sistema universal”. A emergência do movimento e ou do partido – essa “vaga noção do comum”, esse espectro que paira sobre a Europa (e vê como uma coisa tão vaga como um espectro foi tão material) - vem na verdade colocar em questão a legitimidade dos saberes de Estado ou, pelo menos, a legitimidade da sua preponderância e da sua primazia. E pronto, acho que estão aqui algumas coisas para debate; não tudo, é claro, porque em nome da eficácia e do pragmatismo que exiges, tive que ser curto, breve e sucinto. Acho que consegui.

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